quarta-feira, dezembro 05, 2007

Dor de alma



Meu pratinho de arroz doce
polvilhado de canela;
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.

Eu, infante, não sabia
as mágoas que a vida tem.
Ingenuamente sorria,
me aninhava e adormecia
no colo da minha mãe.

Soube depois que há no mundo
umas tantas criaturas
que vivem num charco imundo
arrancando arroz do fundo
de pestilentas planuras.

Um sol de arestas pastosas
cobre-os de cinza e de azebre
à flor das águas lodosas,
eclodindo em capciosas
intermitências de febre.

Já não tenho o teu engodo,
Ó mãe, nem desejo tê-lo.
Prefiro o charco e o lodo.
Quero o sofrimento todo,
Quero senti-lo, e vencê-lo.

António Gedeão

Foto:Mehmet Akin

4 comentários:

Toze disse...

A Obra do Motel já está no ar !

Obrigado :)

Gi disse...

Soube bem este pratinho de arroz doce. Gosto tanto de Gedeão.

Um beijo

Fatyly disse...

O engodo das mães doces como arroz doce...mas ao crescemos devemos enfrentar e vencer as barreiras da vida.

Um belo poema de Gedeão e não podias ter escolhido melhor foto.

Beijos

Paula Raposo disse...

'Charco imundo'! Isso mesmo. Adoro Gedeão.