segunda-feira, dezembro 31, 2012

Recomeça….



Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…
Miguel Torga
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Desejo a todos um Bom 2013:)

sábado, dezembro 29, 2012

Fingir que está tudo bem



Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga. 


José Luís Peixoto

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quinta-feira, dezembro 27, 2012

Tu eras também uma pequena folha



Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


Pablo Neruda

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terça-feira, dezembro 25, 2012

Dia de Natal




Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela, se multiplica em gestos esfuziante,
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.

Ah!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

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sexta-feira, dezembro 21, 2012

Também o deserto vem


 
Também o deserto vem
do mar. Não sei em que navio,
mas foi desses lugares
que chegaram ao meu jardim
as palmeiras.
Com o sol das areias
em cada folha,
na coroa o sopro
ainda húmido das estrelas.


Eugénio de Andrade

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quarta-feira, dezembro 19, 2012

Atento, vejo a chama fulva da abelha




Atento, vejo a chama fulva da abelha
e a cadência do desejo monótono vagabundo
num pequeno corpo ardente e frágil.
O mundo aqui é um sopro verde
em que tudo flui em silenciosos gozos.
Na delícia do ócio o pensamento
entrega-se ao vento e ao olvido.
Só o desejo ordena o fluente ardor
que em mil meandros se propaga no ar.
E de tanto respirar essa pátria volante
eu própria sou a espessa substância do bosque.

António Ramos Rosa

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segunda-feira, dezembro 17, 2012

Evadir-me, esquecer-me



Evadir-me, esquecer-me, regressar
À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sábado, dezembro 15, 2012

Minuto



O amor? Seria o fruto
trincado até mais não ser?
(Mas para lá do prazer
a Vida estava de luto …)
Fui plantar o coração
no infinito: uma flor…
(Mas para lá do fervor
a Vida gritou que não!)
O amor? Nem flor nem fruto.
(Tudo quanto em nós vibrara
parecia pronto a ceder …)
Foi apenas um minuto:
a fome intensa tão rara!,
de ser criança, ou morrer…
David Mourão-Ferreira
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quinta-feira, dezembro 13, 2012

Não canto porque sonho



Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
O teu sorriso puro,
A tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria 
somente um bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinha.
Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
Por vê-los nus e suados.

Eugénio de Andrade


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terça-feira, dezembro 11, 2012

Amei demais



Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais 
todas as coisas que na vida eu emprenhei. 
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais, 
como as tais coisas nas quais nunca pensei. 

Demais foram as sombras. Mais e mais. 
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei 
do imenso mar de sol, sem praia ou cais, 
de onde parti sem saber por que embarquei. 

Amei demais. Sempre demais. E o que dei 
está espalhado pelos sítios onde vais 
e pelos anos longos, longos, que passei 

à procura de ti. De mim. De ninguém mais. 
E os milhares de versos que rasguei 
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais. 


Joaquim Pessoa

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domingo, dezembro 09, 2012

Poesia do nascer do dia



Minha praia ardorosa e solitária 
aberta ao grande vento e ao largo mar 
tu me viste querer-lhe com a doce 
piedade das sombras do luar 

teus cabos se adiantam como braços 
para abraçar as ninfas receosas 
que fugindo oferecem sobre as vagas 
suas nítidas formas amorosas 

braços paralisados por desejo 
que o mundo e sua lei não permitiu 
ou suspendeu amor que livre jogo 
maior que posse em fugaz tempo viu 

e como vós me alongo e como tu 
areia me ofereço a toda sorte 
por sua liberdade ou por destino 
que por só dela seja belo e forte. 

Agostinho da Silva

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sexta-feira, dezembro 07, 2012

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Pesca



O humilde pescador nocturno
aguarda que um peixe se deslumbre
com o brilho da hélice desligada
sob o silêncio cúmplice das estrelas
e abraçado à botija de aguardente
não reclama sequer a sua presa
antes aguarda a incerta esmola
que o mar complacente às vezes nega.

O humilde pescador nocturno
aguarda que um peixe se distraia
com o seu barco que em soluços sincopados
respira levemente sobre as ondas,
enquanto os olhos reclinados sobre as águas
reconhecem o perfil do horizonte
e quase se perdem na contemplação dos astros
e quase se afogam na noite de diamantes.

Manuel Filipe, in"Via de Curetes", pág.37, Edição do Autor

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segunda-feira, dezembro 03, 2012

Lisa says



"À noite
todos os gajos são parvos"

Manuel Filipe, in"Via de Curetes", pág.42, Edição do Autor

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sábado, dezembro 01, 2012