sábado, setembro 30, 2006

Beijo



Um beijo despe a valentia,
afasta o medo que há em nós,
vagueia no desejo ardente que nos guia
que nos tira os pés do chão
e nos dá um nó na voz.

Um beijo afaga a alma incompleta
ampara as margens adormecidas na dor
penetra o íntimo amor que desperta
na pétala vadia de uma flor.

Um beijo rompe as ruas desertas
amansa o olhar que chora incerto
lambe as pingas da chuva e cava no pensamento
que rouba tempo ao tempo.

Um beijo adoça o vento leve que nos cobre o rosto
acorda a noite perdida de desgosto
e algures no meio do nada,
rompe uma estrada.

Daniel Camacho

Foto:Paul Bolk

Dez réis de esperança



Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão

Foto:Stanmarek

quinta-feira, setembro 28, 2006

Segunda



Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebecem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...

Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!

Manuel da Fonseca

Foto:Sascha Hüttenhain

quarta-feira, setembro 27, 2006

***



Mocinhas gráceis, fungíveis
Mimosas de carne aérea
Que pela erecção dos centauros
Trepais como doida hera!
Por ardentes urdiduras
De Afrodite que abonais
Passais como queimaduras
E tudo em fogo deixais.
Ofegar de onda retida
Na ocupação epidérmica
De serdes a exactidão
Florida da primavera,
Todas de luz invadidas,
Soi, porém, as irreiais
Bonecas de sol sumidas
No fulgor com que alumbrais.
Lá no fundo dos desejos
Chegais macias e quentes
Com violas nos cabelos,
Nas ancas, quartos crescentes;
Nas pernas, esguios confeitos,
Na frescura o vermelhão
De uma alvorada que rompe
Em seios de requeijão.
Enleais, mas de enleadas,
Ó voluveis, ó felinas!
Saltais fazendo tinir
Risadas de turmalinas;
E com as asas do segredo
Que vos faz misteriosas
- Pois sendo divinas, sois
Do breve povo das rosas -,
Adejais de beijo em beijo
Já que para gerar assombros
Vicejam as folhas verdes
Que vos farfalham nos ombros.
Ó doçaria que em linguas
Acres sois torrões de mel,
Quando idoneamente ninfas
Vos vestis da vossa pele!
Se a olhares venéreos furtar-vos
Em roupas não vale a pena,
Pois mesmo vestidas estais
Nuinhas de graça plena,
De esbelta nudez plantai
Róseos calcanhares nos dias
Fugazes, não vá Vulcano
Levar-vos para sombras frias;
Não sequem os anos corpinhos
De aragem que os deuses sopram,
Que os anos são os malignos
Sinos que pela morte dobram.
Mocinhas futeis que sois
Da vida as espumas altas
Leves de não vos pesar
O peso de terdes almas;
Que essa força de encantar,
Ó belas! cria, não pensa.
Ser perdidamente corpo
É a vossa transparência.

Natália Correia

Foto:Rudolf Koppitz

terça-feira, setembro 26, 2006

Carta de amor



Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).
Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?
Apenas mais um corpo que marcou
a esperança disfarçada de aventura...
(Da estupidez dos dias já estou farto,
das noites repetidas já cansado.
Mas, afinal, meu Deus, quando é que parto
para começar, enfim, este meu fado?)
No fim deste caminho de pecados
feito de desencontros e de encantos,
de palavras e de corpos já usados
onde ficamos sós, sempre, entre tantos...
Que fique como um dedo a nossa marca
e do que foi um beijo o nosso cheiro
Tesouro que não somos. Fique a arca
que guarde o que vivemos por inteiro.

Fernando Tavares Rodrigues

Foto:Paul Popper

segunda-feira, setembro 25, 2006

Imaginação



Procuro na escuridão o centro da carne
Proponho ao meu corpo um fim feliz
Huuum, regressar ao corpo
Huuum, donde vim
E as mãos estremecem a pele
Derramando sumos doces
Que seria do amor sem a imaginação?
Na, na, na, na...

O homem sorria de uma maneira estúpida
O homem estava estupidamente parado
Fez-me lembrar o louco da montanha
Que tinha a cabeça nas nuvens
E não queria ir a nenhum lado

O homem não tinha nada a comentar
Nem mesmo a ausência de peso nos ombros
E quando ao afastar-me olhei para trás
Pareceu-me ver um sobrevivente
No meio dos escombros

Resistes à invasão, resiste-te a ti
E subitamente és tu em chamas
Huuum, a forçar o espaço
Onde eu estou nu

Até que o último espasmo
Nos vem arrombar as portas
Sem o amor o que seria da imaginação?
Na, na, na, na...

E as estrelas não passam de desejos
Insatisfeitos

Jorge Palma

Foto:Stanmarek

domingo, setembro 24, 2006

Estórias de Nasrudin (Poesia Sufi)



Nasrudin entrou na casa de chá proclamando: - a lua é mais útil que o sol.
- "Por que ,mullá"?
- "Precisamos de mais luz durante a noite que durante o dia".

"Se sobrevivo a esta vida sem morrer, estarei surpreso!!!"

O equilíbrio do mundo

Um dia perguntaram a Nasrudin.
- Mestre, ao amanhecer o dia, cada um vai para o seu lado: uns por aqui, outros por ali, por que será?
- Se todos fossem para a mesma direção - responde Nasrudin - o mundo se desequilibraria e cairia!

Descida

- Nasrudin, como caíste do burro?
- Não estive mal. Eu ia descer, de qualquer maneira.

Mullá Nasruddin

Imagem daqui

Maçã-do-amor



Abrir pétalas com
a língua
explorar
seus cheiros e sabores

levar seu néctar
para além desse momento
para colmeias
perdidas no inconsciente

nos momentos em que
nada valer a pena
ou quando você não estiver
mais presente
minha língua
lamberá a lembrança
como lambemos aquela
maçã-do-amor

lembra-se?

Carlos Alberto Pessoa Rosa

Foto:Gianni Candido

sábado, setembro 23, 2006

Sua beleza



Sua beleza é total
Tem a nítida esquadria de um Mantegna
Porém como um Picasso de repente
Desloca o visual

Seu torso lembra o respirar da vela
Seu corpo é solar e frontral
Sua beleza à força de ser bela
Promete mais do que prazer
Promete um mundo mais inteiro e mais real
Como pátria do ser.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Joris Van Daele

Haikus televisivos



A nossa censura
Esconde o crazy frog pénis.
Ai as criancinhas!!!

Isto é um choque!
Atentado ao pudor!
Isso é que não!

E tapam os olhos
À frente das joaninhas
Dentro do Peugeot!

Linda é a SIC e
Também a TêVêI:
Flores e morangos!

Entre cobras e
Lagartos, escolhem a
Cena que mais jura...

Da especialista em Haikus:Jacky :-)

Imagem daqui

sexta-feira, setembro 22, 2006

As time goes by



Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart
Que eu te conto Casablanca.
Me tira esse sobretudo;
Sobretudo, conta tudo
Que eu te dou uma rosa branca.
Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart...
Te dou carona em meu carro
Chevrolet — que sou bacana;
Te levo, meu bem, pra cama
Fumamos nossa bagana;
Te provo que sou sacana...
Te faço toda a denguice:
Te dispo que nem a Ingrid,
Te dou filhos de montão
Só pra te ver sufocar...
Mas me chama de Humphrey Bogart!
Faço chover colorido
Como num bom musical.
Te chamo de Lauren Bacall!
Te danço, te canto, te mostro,
Entre as pernas, meu bom astral...
Te deixo pro enxoval
Meu chapéu preto de gangster,
Mil poemas de ninar...
Só pra te ouvir sussurrar:
Como te amo, meu Humphrey Bogart!

Tanussi Cardoso

Imagem daqui

Haicais clássicos



Em qualquer lugar
Onde se deixem as coisas,
As sombras do Outono.

Kyoshi

Apesar do sol
Ardendo sem compaixão,
O vento de Outono.

Bashô

Sobre o curso d'água,
Perseguindo sua sombra,
Desliza a libélula.

Chiyo-jo


Foto:Tomasz

quinta-feira, setembro 21, 2006

Gracias a la vida



Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros que, cuando los abro,
perfecto distingo lo negro del blanco,
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado el oído que, en todo su ancho,
graba noche y día grillos y canarios;
martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
y la voz tan tierna de mi bien amado.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado el sonido y el abecedario,
con él las palabras que pienso y declaro:
madre, amigo, hermano, y luz alumbrando
la ruta del alma del que estoy amando.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la marcha de mis pies cansados;
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos, montañas y llanos,
y la casa tuya, tu calle y tu patio.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano;
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto.
Así yo distingo dicha de quebranto,
los dos materiales que forman mi canto,
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos, que es mi propio canto.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.

Violeta Parra

Foto:Alexander Dugaev

quarta-feira, setembro 20, 2006

Fascínio



Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.
Não deveria, dizem.
Me esforço. Aliás,
já nem me esforço.
Abertamente me ponho a admirá-las.
Não estou traindo ninguém, advirto.
Como pode o amor trair o amor?
Amar o amor num outro amor
é um ritual que, amante, me permito.

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Gianni Candido

terça-feira, setembro 19, 2006

Corpo de mulher



Alvos ramos de algas marinhas
rumores de alucinado cardume
pássaro e peixe em vôo único
e música de vastíssimo oceano

de um mergulho teu corpo age
sua natureza de sal e esponja
gravita sua substância de coral
na ciência submersa de meu corpo
e toda a sua revolta matéria
se acumula na carne e rebenta
em delírio de espuma e maresia

eis o meu fôlego te habitando
cumprindo sua viagem de ondas
sopra o vento em nuvens de areia
e escreve orgasmo na pele do mar

II

Corpo de mulher orvalho e mergulho
tua chama engendra sol e continente
abriga orgasmo ventania colisão
e toda a substância que nos aquece
vem de tua fosforescente matéria
de tua severa sugestão de incêndio.

Floriano Martins

Foto:Stanmarek

segunda-feira, setembro 18, 2006

Tua língua



Tua língua toca minha alma
és o poço das galáxias longínquas
e vejo a lua lindo, cheia, radiante
no céu da tua boca
eu já era a Torre Eiffel
e em meu coração mais batia a vida
Eu te entumesço o rosto
lambuzo teus lábios rubros
enterro-te minha lâmina
no mormaço da tua língua faminta
cresço-me, enrijeço-me, teso
pau madeira-de-lei
acossado pela tua carícia
ah! a tua gula pulsa minha
nos meneios de veludo do teu toque
todos os truques para me capturar
eu e meu míssil dominado
Rara e feita me engole
debruçada sobre o meu cajado
como se fosse a melhor comida
o pico do Aconcágua em transe
buscando a ejaculação constante do meu Etna
com teu faro que desembaínha meus grunhidos
e levita só assim desfalecido
me devolves a vitalidade

Luiz Alberto Machado

Foto:Victor Ivanovski

Por não estarem distraídos



Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

Foto:Howard Schatz

domingo, setembro 17, 2006

Poema em linha recta



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos

Foto:Ivan Pinkava

sábado, setembro 16, 2006

Como uma ilha



Tu és todos os livros,
Todos os mares,
Todos os rios,
Todos os lugares.
Todos os dias,
Todo o pensamento,
Todas as horas
O teu corpo no vento.
Tu és todos os sábados,
Todas as manhãs,
Toda a palavra
Ancorada nas mãos.
Tu és todos os lábios,
Todas as certezas,
Todos os beijos
Desejos, princesa.

Como uma ilha,
Sozinha...

Prende-me em ti,
Agarra-me ao chão,
Como barcos em terra
Como fogo na mão,
Como vou esquecer-te,
Como vou eu perder-te,
Se me prendes em ti,
Agarra-me ao chão,
Como barcos em terra,
Como fogo na mão,
Como vou eu lembrar-te
Se a metade que parte
É a metade que tens.

Tu és todas as noites
Em todos os quartos,
Todos os ventos
Em todos os barcos.
Todos os dias
Em toda a cidade,
Ruas que choram
Mulheres de verdade.
Tu és só o começo
De todos os fins,
Por isso eu te peço
Fica perto de mim.
Tu és todos os sons
De todo o silêncio,
Por isso eu te espero
Te quero e te penso.

Como uma ilha,
Sozinha...

Pedro Abrunhosa

Foto:Yuri B

Armário



Eu queria, senhora, ser o seu armário
e guardar os seus tesouros como um corsário
Que coisa louca: ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida circunspecta
e pesada nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei (de que madeira eu não sei)
Um sentinela do seu leito com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas para suas argolinhas
Ter um vão para seu camisolão e sentir o seu cheiro, senhora, o dia inteiro
Meus nichos como bichos engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças, e tirariam
nacos dos seus casacos,
E no meu chão,como trufas, as suas pantufas...
Seus echarpes, seus jeans, seus longos e afins
Seus trastes e contrastes.
Aquele vestido com asa e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo. Um pulôver amigo. Bonecas de pano.
Um brinco cigano.Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.Suéteres de lã e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores, os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser por um prêt-à-porter...
Ser o seu segredo,senhora, e o seu medo.
E sufocar com agravantes todos os seus amantes.

Luís Fernando Veríssimo

Foto:Gianni Candido

sexta-feira, setembro 15, 2006

Carlos Paredes



A palavra por dentro da guitarra
a guitarra por dentro da palavra.
Ou talvez esta mão que se desgarra
(com garra com garra)
esta mão que nos busca e nos agarra
e nos rasga e nos lavra
com seu fio de mágoa e cimitarra.

Asa e navalha. E campo de Batalha.
E nau charrua e praça e rua.
(E também lua e também lua).
Pode ser fogo pode ser vento
(ou só lamento ou só lamento).

Esta mão de meseta
voltada para o mar
esta garra por dentro da tristeza.
Ei-la a voar ei-la a subir
ei-la a voltar de Alcácer Quibir.

Ó mão cigarra
mão cigana
guitarra guitarra
lusitana.

Manuel Alegre

Imagem daqui

É assim que te quero, amor



É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegaste à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.

Pablo Neruda

Foto:Stanmarek

quinta-feira, setembro 14, 2006

Bárbara



Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor, vem me buscar

O meu destino é caminhar assim
Desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite serei tua
Deixa eu te proteger do mal, dos medos e da chuva
Acumulando de prazeres teu leito de viúva

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar

Vamos ceder enfim à tentação
Das nossas bocas cruas
E mergulhar no poço escuro de nós duas
Vamos viver agonizando uma paixão vadia
Maravilhosa e transbordante, feito uma hemorragia

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Bárbara

Chico Buarque

Foto:Stanmarek

Conto erótico



-Assim ?
-É. Assim.
-Mais depressa ?
-Não. Assim está bem. Um pouco mais para...
-Assim ?
-Não, espere.
-Você disse que...
-Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem.
-Estava perfeito e você...
-Desculpe.
-Você se descontrolou e perdeu o...
-Eu já pedi desculpa !
-Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora.
-Assim ?
-Um pouco mais pra cima.
-Aqui ?
-Quase. Está quase !
-Me diga como você quer. Oh, querido...
-Um pouco mais para baixo.
-Sim.
-Agora para o lado. Rápido !
-Amor, eu...
-Para cima ! Um pouquinho...
-Assim ?
-Aí ! Aí !
-Está bom ?
-Sim. Oh, sim.
-Pronto.
-Não ! Continue.
-Puxa, mas você..
-Olha aí... Agora você...
-Deixa ver...
-Não, não. Mais para cima.
-Aqui ?
-Mais para o lado.
-Assim ?
-Para a esquerda !! O lado esquerdo !
-Aqui ?
-Isso ! Agora coça.

Luís Fernando Veríssimo

Foto:Howard Schatz

quarta-feira, setembro 13, 2006

Gargalhada



Homem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Não vês?
É preciso jogar por escadas de mármores baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras...

O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.

Mas é preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trêmulas...

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Só de três lugares nasceu até hoje essa música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

Cecília Meireles

Foto:Sylvie Blum

As imagens transbordam


As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulsos que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Gianni Candido

terça-feira, setembro 12, 2006

Epílogo



Não me vou mover. Tenho razões poderosas
para isso. A preguiça será uma delas.
Prefiro não enumerar as outras.

José Alberto Oliveira

PS:Poema roubado descaradamente a CANTOROUCO :-)

Foto:Calvato

Paisagens são sempre segredos sobre segredos



O medo pulsa dos corpos embarcados
às vezes se agarra aos cais imóvel
a aguardar ordens submisso
ou se perde numa nuvem incisiva e fatal
Aqui
nas dunas que me sustentam
nesta onda de sol molhado estendido
nada mais importa
nas paisagens assustadas pelos banhistas
apenas a tarde caíndo
os despojos de mais um dia de praia
e a luz amarela a pintar-nos o que ficou das areias.
Para lá da primeira água que nos toca
sempre fria
resta o silêncio da espuma no recuo do mar
e o planáltico brilho do quartzo
onde buscamos por marcas e afundamentos
sensações novas
enquanto a solidão fica derretida no sol
Está mais quente agora a água
tocada por gaivotas famintas que ardem
sinto-o porque sou de mar
sei dos oceanos as poucas palavras
que sobrevivem respirando
de praias não sei quase nada
paisagens são sempre segredos
sobre segredos
pintados ou não
todas as respostas estão aí
nessas estepes que guardam beijos enterrados
por entre a erva que lateja
a inutilidade das palavras.

João Martim

Foto:José Marafona

segunda-feira, setembro 11, 2006

Valsa nos ramos



Caiu uma folha.
E duas.
E três.
Na lua nadava um peixe.
A água dorme uma hora
e o mar branco dorme cem.
A dama
estava morta na rama.
A monja
cantava dentro da toronja.
A menina
pelo pinho ia até à pinha.
E o pinho
buscava a plúmula do trino.
Mas o rouxinol
chorava suas feridas em redor do sol.
E eu também
porque caiu uma folha
e duas
e três.
E uma cabeça de cristal
e um violino de papel.
E a neve poderia com o mundo,
se a neve dormisse todo o mês,
e os ramos lutavam com o mundo,
um a um,
dois a dois
três a três.
Oh duro marfim de carnes invisíveis!
Oh golfo sem formigas ao amanhecer!
Chegará um torso de sombra
coroado de louros.
Será o céu para o vento
duro como uma parede
e os ramos arrancados
irão dançar com ele.
Um a um
em volta da lua,
dois a dois
em volta do sol,
e três a três
para que os marfins adormeçam bem.

Frederico García Lorca

Foto:Yuri B

11 de Setembro

11 de Setembro de 1973- Morte do Presidente Salvador Allende no Chile



Salvador Allende

(June 26, 1908 - September 11, 1973)


Imagem daqui

11 de Setembro de 2001- Atentados nos USA




Imagem daqui

Wind

A semana



Devemos amar quando crianças.
Quando verdadeiramente somos
O medo e a solidão, a alegria e o contentamento
Em coisas demasiado simples, como
Parcerias em jogos de cartas, doces, guardados,
A vizinhança em assentos públicos.

Na idade adulta não se deve amar.

Não sabe o amor a idade da razão
Onde em si não cabe com o instinto animalesco da pureza.
Dizemos amar num tempo em que há o punho da sobrevivência,
Mas o amor não distingue a fome, e uma cegueira
Não alimenta o mesmo corpo que o pão corrói.

Amamos por piedade, por chão,
Amamos em agradecimento,
Amamos por pena, por cura, por limites,
Por precisão.
Amamos em detrimento, em culpa e abnegação;
Dizemos amar por paixão
Quando amamos em número,
E ávidos permanecemos escutando moedas e dentes
Em cerimônias e jornais.

Amamos por paz e por guerra,
Amamos por ódio, por reclusão,
Por definhamento e morte.
Somos amantes do companheiro, que é vão
Entre a arte e a solidão dos que só amam.
Amamos o medo que não nos deixa ficar sós,
E amamos as pessoas absolutamente sós, sós por nós
E que não tenham mais ninguém
A não ser os frutos do nosso conhecimento.
Buscamos amar o futuro e o passado –
Perseguimos o passado – e ambos não existem
Se o amor é onde e quando eternamente: amamos a vida –
A morte é a solidão desenvolvida.

Amamos sempre em 3ª. Pessoa,
Quando nosso cego propósito é um aniquilamento
Em nome de todas as formas verbais –
Amamos quando somos cegos.
E as vidas, como os amores e as mortes –
O amor e a morte são próximos
Como o ódio e a paixão –
Sempre acompanhadas de ritos e cerimônias ridículas,
Seguem pelas ruas a distribuir flores
E cartões de seasons.
Amamos quando estamos infinitamente doentes
De uma morte que se recupera – o amor é queda
E levitação.

Sejamos mais novos,
Envelheçamos como quixotes que geram sonhos e ilusões –
O amor é isto.
E não saberemos viver outra vida sem morte
Como não se cai sem estar de pé,
Como não se vê o sol sem estar de pé,
Como não se deve dizer como
Acabam os poemas,
Como findam as penas,
Como findam o amor e a semana,
Ou como ambos se renovam.

Weydson Barros Leal

Foto:Victor Skrebneski

domingo, setembro 10, 2006

De Veritate



A mentira é relativa,
não a verdade – palavra provocativa,
concreta,
que irrita a hipocrisia,
irrompe e racha a terra, rumo
e risco do raio, explosivo riso.

A mentira é individual,
não a verdade – válida para general
e soldado,
para homem e animal,
cujas patas e sapatos pisam
a poeira e as pedras do imparcial planeta.

A mentira é estática,
não a verdade – a verdade matemática,
por exemplo,
acelera máquinas
que inovam os ventos, inventam
novos movimentos e movem rápidos instrumentos.

A mentira dói,
não a verdade – bálsamo, doce voz,
carinho
que transforma o eu em nós,
cura o câncer, cala o rancor, carrega
conosco a cruel jóia da cruz.

A mentira é nua e crua,
não a verdade – na vestidura
da paz,
invencível na luta,
leve alimento que levanta,
alivia, lenifica, nutre e alumia.

A mentira parece verdade,
não a verdade – que nada imita e arde
o seu fósforo,
e cresce em progressivo alarde
queimando madeiras e canteiros, incendiando
feiras, aldeias e cidades inteiras.

A mentira é dona da verdade,
não a verdade – que nada perde e invade
tudo,
apropriando-se da propriedade
privada e pública, pelo prazer
de perder sem possuir a possibilidade da perda.

A mentira é profunda,
não a verdade – rio do qual se vêem o fundo
e os peixes,
e em que todo mundo
nada, mata a saudade da água clara, salta
descalço, e onde nem se afunda o incauto.

A mentira é tristonha,
não a verdade – que a nada se contrapõe
ou nega,
antes afirma ser sonho o sonho,
e sandice a sandice, e saúde
a saúde, e solução o que soluciona cisões.

A mentira é dura,
não a verdade – macia escravatura
que liberta,
antepondo a consciência à censura,
e o dever ao dever com prazer,
e o prazer como dever ao puro prazer.

Gabriel Perissé

Foto:Misha Gordin

sábado, setembro 09, 2006

Estalactites do Silêncio



No avesso o avesso do avesso
inversa
quase versos
canção.
As estalactites do silêncio
vazio incêndio
vilipêndio
ablação.

O martírio da presença
cretina sentença
crença
comunhão.

Os vapores crus da disputa
retorcida voluta
doce puta
devassidão.

Germano Rocha

Foto:Katarzyna Widmańska

Olhos nos olhos



Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mas nem porque
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
'Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz

Chico Buarque de Hollanda

Foto:Stanmarek

Quero uma vida em forma de espinha



Quero uma vida em forma de espinha
Num prato azul
Quero uma vida em forma de coisa
No fundo dum sítio sozinho
Quero uma vida em forma de areia nas minhas mãos
Em forma de pão verde ou de cântara
Em forma de sapata mole
Em forma de tanglomanglo
De limpa-chaminés ou de lilás
De terra cheia de calhaus
De cabeleireiro selvagem ou de édredon louco
Quero uma vida em forma de ti
E tenho-a mas ainda não é bastante
Eu nunca estou contente

Boris Vian

Foto:Stanmarek

sexta-feira, setembro 08, 2006

Imagens



Meus olhos percorreram teu rosto...
Envolvi-me em tua alma inocente.
Não entendi o que você me disse,
Fiquei encantado com a ópera da sua voz:
A música dos anjos.

Você não existe...

Apenas imagens...
Sentimentos são puros

Apenas a lembrança...
Anjos resistem ao tempo

O mundo é feito de imagens,
A imagem do amor é você.
Até hoje não sei se sonhei
Ou continuo acordado.
Quero voltar ao passado,
Tentar encontrar você no futuro.

A fotografia do tempo na lembrança
De quem testemunhou
A queda de um anjo na terra.

- Talvez este sonho nunca acabe.

Thiago Maia

Foto:Gianni Candido

Amor



Quem ousará dizer que ele é só Alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar um puro grito
de orgasmo, num instante infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como activa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, estátuas
estátuas vestidas de suor, agradecendo
o que a um Deus acrescenta o amor terrestre.

Pedro Miguel S. Duarte

Foto:Sergey Ryzhkov

quinta-feira, setembro 07, 2006

Um casal dos infernos



A agitação reina absoluta no lar dos apaixonados capetas: Rabudo e Rabuda.

-Malditooo! Ô malditozinho! Me ajuda aqui. Já está quase na hora! - grita Rabuda do quarto do casal.

-Já vou! Já vou! - Responde Rabudo, saindo depressa do banheiro, sem terminar, como gostaria, o que estava fazendo.

Muito agitado, pergunta à Rabuda:

-Será que agora é pra valer, minha flor de enxofre. Eu já não aguento mais esse vai e vem sem resultado! Capeta-mor nos defenda...

-Como é que eu vou saber, Rabudo? Se dependesse da minha vontade, tudo já estava resolvido, ora essa - responde Rabuda, meio chateada.

-Pois muito bem! Só vou essa última vez! Tenha a infernal paciência! - diz Rabudo, já irritado com toda aquela mexida infrutífera.

Rabuda, muito sensível e fragilizada, principalmente pelo desafio que enfrentaria dali a poucos minutos, entristece-se, e lágrimas incandescentes querem rolar pela sua face. Onde andava aquele capeta - para ela - tão carinhoso, tão gentil, tão romântico de séculos e séculos atrás? Um casamento infernal como o deles acabando-se assim, só por uma discussãozinha besta, sem rabo e sem chifre? Seria ciúme? Lembrava-se ela, sem muito esforço, até do primeiro bilhete de amor - secretíssimo - que dele recebera, em versos:

"Minha infernal criaturinha
Tu és para mim
Extrato do mais puro enxofre
Lava fresca de um vulcão
Banho salutar e aprazível em um gêiser
Brasa vermelha, tinindo
Língua de fogo, peito de maçarico
Tudo isso, maior riqueza que um capeta
Nesse inferno pode desejar!"
Te odeio! Te odeio! Te odeio, muito! Te odiarei, eternamente.
Do seu odiado chifrudo, Rabudo.

Hoje, ao recordar esses versos - tristes versos -, Rabuda reconhecia que o seu Rabudo não tinha a menor veia poética. Ela não sabia de que gigantesco embornal literário Rabudo tirara tantas palavras estranhas. Pior: nenhuma rima, e ela adorava rima! Ali, rima só de "chifrudo" com "Rabudo" - para ela, lindíssima rima -, mas nem fazia parte desses "versos". Que pobreza! Em todo caso, quando recebera e lera o poema, o que antes era uma raivinha à-toa transformara-se em ódio. Muito ódio. Ódio imortal!

Ainda bem que - suspirava a Rabuda - o seu odiado Rabudo não se metera a poeta: bolso vazio e cabeça cheia de rimas, ricas e pobres. Mais pobres do que ricas, com certeza. Na cabeça dele só o belo e cobiçado par de chifres: sinal de muito poder. Iluminado pelo capeta-mor, montara uma indústria de tridentes. Ia de vento em popa com seu negócio: muito dinheiro e muito status . Negócio infernacionalizado: filiais por todos os distritos do inferno e, até, infernogalácticos. Rabudo era o maior exportador do imprescindível artefato, que, em mãos diabólicas, era brinquedo assaz divertido. A veia poética, latente, o ajudara bastante no início do negócio. Rabudo cedera aos caprichos da sua infernal esposa e propagandeara em boa rima:

"Capeta pra ser alegre e sorridente
só compra do meu tridente"

Abaixo, em destacadas letras: Organizações Rabudo. O comercial fizera sucesso.

Enquanto era ajudada por Rabudo a entrar no vestido novo - engordara bastante, reconhecia -, Rabuda continuou com suas lembranças. Pensava agora na explosão infernográfica: milhares de capetinhas nascendo a todo instante - capetas natos -, e não paravam de chegar pessoas naquele Inferno dizendo-se, a princípio, inocentes. Desdiziam-se da sorte: era mesmo injustiça de Deus, intriga da oposição e tantas outras mortais desculpas. Mentiras da mais pura e leviana humanidade. Mas, logo todos se acostumavam e assumiam o chifre e o rabo de muito bom grado. Em seguida, eram naturalizados. Por tais razões, tinha muito orgulho do seu Rabudo: que inteligência, que visão! Mais capetas, mais tridentes e mais dinheiro!

Um beijo fervente na testa cortou seu pensamento. Rabuda se enternece. Pensa: "Esse é o meu Rabudo, que eu conheço tão bem. Odioso que só ele!". Retribui o beijo com outro mais fervente ainda. Anima-se.

Rabuda vai à cozinha e bebe um copo d'água com açúcar, para diminuir a ansiedade e o nervosismo, que tentava disfarçar. Rabudo apaga as luzes e fecha a porta. Saem. Resolvem ir a pé. Caminhar sempre faz bem para os nervos. Saem de braços dados. Rabudo a apoiar Rabuda, todo cuidadoso: "Cuidado com o rabo, cuidado aqui, cuidado acolá, olha o degrau, olha isso, olha aquilo!" Vão andando devagarinho. Rabuda economizando energia. Iria precisar muito dessa energia quando aquele momento tão esperado, por ambos, chegasse.

Conversam:

-Nervosa?

-É... um pouco.

Rabudo comenta:

-É! Agora que eu estou observando melhor, vejo que você engordou um bocado!

- É verdade! Mas, também, nove meses, quietinha em casa... Logo, logo, estarei em forma de novo. Aguarde e verá!

Enfim, chegam ao destino. Uma variedade enorme de capetas: crianças, jovens e velhos. Filas e mais filas. Grande agitação. Sempre era assim naquele local.

Um grito e, em seguida, correria infernal em direção ao casal que passava:

-Capetada, a Rabuda Star!

Rabudo tenta proteger a esposa-roqueira do assédio encapetado dos fãs. Tenta proteger, também, a todo custo, o vestido dela: bonito e caro.

Todo cuidado era pouco. O retorno de Rabuda aos palcos causava furor, fora muito esperado: nove meses Rabuda ficara sem poder cantar, operada de garganta.

Para a salvação do casal, em meio ao tumulto, aparecem os promotores do evento. Chegam, desculpando-se por todo o transtorno causado à inigualável inferno-star, a grande, a insuperável Rabuda. A irritação de tanto ir e vir do Rabudo terminara. O show dessa vez ia, realmente, começar...

Paulo Silveira

Imagem daqui

Tu e eu



Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
E não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo.

Luis Fernando Veríssimo

Foto:Gianni Candido

quarta-feira, setembro 06, 2006

Ter ou não ter namorado, eis a questão



Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.

Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.

Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.

Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.

Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.

Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.

Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.

Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.

Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.

Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.

Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.

Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.

Artur da Távola (embora seja atribuído a Carlos Drummond de Andrade)

Foto:Victor Ivanovski

terça-feira, setembro 05, 2006

Álvaro de Campos (Obra)



Cruzou por mim, veio ter comigo, numa Rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...),

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida —
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a Humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiévski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão.

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.

Álvaro de Campos

Foto:Andrzej Dragan

segunda-feira, setembro 04, 2006

Pretextos para fugir do real



A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar
Por isso fecho os olhos
(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)
Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher
E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços
*
Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos.

Alexandre O'Neill

Foto:Gianni Candido

domingo, setembro 03, 2006

Un año de amor



Lo nuestro se acabó
y te arrepentirás de haberle puesto fin
a un año de amor.
Si ahora tú tevas
pronto descubrirás
que los días son eternos y vacios sin mí.
Y de noche, por la noche,
por no sentirt solo
recordarás
nuestros días felices,
recordarás el sabor de mis besos
y entenderás
en un solo momento
qué significa
un año de amor.
Te has parado a pensar
lo que sucederá,
todo lo que perdemos
y lo que sufrirás?.
Si ahora tú te vas no recuperaraás
los momento felices que te hice vivir.
Y de noche, por la noche,
por no sentirte solo
recordarás el sabor de mis besos
y entenderás
en un solo momento
qué significa
un año de amor.
Y entenderás
en un solo momento
qué significa
un año de amor.

Canta:Luz Casal

Imagem daqui

PS: A pedido da Touché:-)

Terra



Quando eu me encontrava preso na cela de uma cadeia
Foi que vi pela primeira vez as tais fotografias
Em que apareces inteira, porém lá não estava nua
E sim coberta de nuvens
Terra, Terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Ninguém supõe a morena dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema mando um abraço pra ti
Pequenina como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba
Terra, Terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Eu estou apaixonado por uma menina terra
Signo de elemento terra do mar se diz terra à vista
Terra para o pé firmeza terra para a mão carícia
Outros astros lhe são guia
Terra, Terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Eu sou um leão de fogo, sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente, e de nada valeria
Acontecer de eu ser gente, e gente é outra alegria
Diferente das estrelas
Terra, terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
De onde nem tempo e nem espaço, que a força mãe dê coragem
Pra gente te dar carinho, durante toda a viagem
Que realizas do nada,através do qual carregas
O nome da tua carne
Terra, terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Na sacadas dos sobrados, das cenas do salvador
Há lembranças de donzelas do tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito
Terra, terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Caetano Veloso

Foto:Yuri B

sexta-feira, setembro 01, 2006

A Boca as Bocas



Apenas
uma boca. A tua Boca
Apenas outra , a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.

David Mourão-Ferreira

Foto:Allan Jenkins