sexta-feira, dezembro 31, 2010

Shelley sem anjos e sem pureza



Shelley sem anjos e sem pureza,
aqui estou à tua espera nesta praça,
onde não há pombos mansos mas tristeza
e uma fonte por onde a água já não passa.

Das árvores não te falo pois estão nuas;
das casas não vale a pena porque estão
gastas pelo relógio e pelas luas
e pelos olhos de quem espera em vão.

De mim podia falar-te,mas não sei
que dizer-te desta história de maneira
que te pareça natural a minha voz.

Só sei que passo aqui a tarde inteira
tecendo estes versos e a noite
que te há-de trazer e nos há-de de deixar sós

Eugénio de Andrade

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quinta-feira, dezembro 30, 2010

Nuvens



Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmas
locuções de um pensamento aberto. No vazio de tudo
eram frontes do universo deslumbrantes.
Em silêncio via-as deslizar num gozo obscuro
e luminoso, tão suave na visão que se dilata.

Que clamor, que clamores mas em silêncio
na brancura unânime! Um sopro do desejo
que repousa no seio do movimento, que modela
as formas amorosas, os cavalos, os barcos
com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.

Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
Sou mais que um corpo, sou um corpo que se eleva
ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
No gozo de ver num sono transparente
navego em centro aberto, o olhar e o sonho.

António Ramos Rosa

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quarta-feira, dezembro 29, 2010

Caleidoscópio



Tu e o Mundo
caleidoscópio
onde perscruto
enquanto posso
o que é fecundo
por trás do óbvio
Atrai-me o fluido
mais do que o sólido
Só me seduzem
na praia as rochas
na terra os muros
se acaso escorrem
de mar ou chuva
Que vale o bosque
sem o sussurro
das altas copas
De vulto a vulto
o que me empolga
é ver o fluxo
sentir as trocas
ou os conluios
do que se evola
E sobretudo
na luz nos olhos
de quem se busca
Assim tu própria
perante o Mundo
caleidoscópio
em que mergulho
Oh turva glória
Trago do fundo
pedras informes
cristais avulsos
Só te constroem
quando os destruo
Então de sólida
tornas-te fluida
Tal como a 'stória
do próprio Mundo
Divagas Vogas
em mar em chuva
líquido bosque
sob o sussurro
das altas copas
toda lacustre
enfim tão próxima
do que procuro
e me renova

David Mourão-Ferreira

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terça-feira, dezembro 28, 2010

Teu corpo claro e perfeito



Teu corpo claro e perfeito,

– Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Quem em antigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo o momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

Manuel Bandeira

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segunda-feira, dezembro 27, 2010

Murmúrio



Ainda oiço a voz
Que ontem sussurrava
Um beijo ardente
Na madrugada
Era uma gaivota
Aninhada no meu colo
No tempo breve
De um sorriso
Entre a luz
E o murmurar do mar
Só as ondas
Sabiam de mim.

Paula Raposo, in"O Verbo Ser", pág.31, Apenas Livros Lda.

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domingo, dezembro 26, 2010

Beyonce-Fever



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sábado, dezembro 25, 2010

Dia de Natal



Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

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sexta-feira, dezembro 24, 2010

Cantar do amigo perfeito



Passado o mar, passado o mundo, em longes praias,
de areia e ténues vagas, como esta
em que haverá de nossos passos a memória
embora soterrada pela areia nova,
e em que sobre as muralhas quanta sombra
na pedra carcomida guarda que passámos,
em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas esta, ó meu amigo?

Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos
da alheia juventude, impudica ou severa,
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se,
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas;
e o meu e o teu olhar guiando-se leais,
de nós um para o outro conquistando
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó meu amigo?

Também aqui relembro as ruas tenebrosas,
de vulto em vulto percorridas, lado a lado,
numa nudez sem espírito, confiança
tranquila e áspera, animal e tácita,
já menos que amizade, mas diversa
da suspeição do amor, tão cauta e delicada
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda as recordas, diz, ó meu amigo?

Também aqui, sorrindo em branda mágoa,
desfiámos, sem palavras castamente cruas,
não já sequer os íntimos segredos
que o próprio amor, porque ama, não confessa,
nem a vaidade humana dos sentidos, mas
subtis fraquezas vis, ingénuas e secretas
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó amigo?
*
Partiste e foi contigo a juventude.
Ficou o silêncio adulto, pensativo e pródigo,
e o terror de não ser minha estátua jacente
sobre o túmulo frio onde as cinzas da infância
desmentem - palpitar de traiçoeira fénix! -
que só do amor ou só da terra haja saudade.
Em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
tu sabes que a levaste, ó meu amigo?

Jorge de Sena

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quinta-feira, dezembro 23, 2010

Noite apressada



Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!

David Mourão-Ferreira

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quarta-feira, dezembro 22, 2010

Os troncos das árvores



Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros
Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal
Dói-me o luar como um pano branco que se rasga.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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segunda-feira, dezembro 20, 2010

Obscuro domínio



Amar-te assim desvelado
entre barro fresco e ardor.
Sorver o rumor das luzes
entre os teus lábios fendidos.

Deslizar pela vertente
da garganta, ser música
onde o silêncio aflui
e se concentra.

Irreprimível queimadura
ou vertigem desdobrada
beijo a beijo,
brancura dilacerada

Penetrar na doçura da areia
ou do lume,
na luz queimada
da pupila mais azul,

no oiro anoitecido
entre pétalas cerradas,
no alto e navegável
golfo do desejo,

onde o furor habita
crispado de agulhas,
onde faça sangrar
as tuas águas nuas.

Eugénio de Andrade

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domingo, dezembro 19, 2010

The Housemartins - Caravan Of Love



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sábado, dezembro 18, 2010

Teoria do amor



Amor é mais do que dizer.
Por amor no teu corpo fui além
e vi florir a rosa em todo o ser
fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Como Bernard de Ventadour amei
uma princesa ausente em Tripoli
amada minha onde fui escravo e rei
e vi que o longe estava todo em ti.

Beatriz e Laura e todas e só tu
rainha e puta no teu corpo nu
o mar de Itália a Líbia o belvedere.

E quanto mais te perco mais te encontro
morrendo e renascendo e sempre pronto
para em ti me encontrar e me perder.

Manuel Alegre

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quinta-feira, dezembro 16, 2010

Citação



"Pensar e fumar são duas operações idênticas que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento."

Eça de Queiroz

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terça-feira, dezembro 14, 2010

O espírito



Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

Natália Correia

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segunda-feira, dezembro 13, 2010

Espero



Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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domingo, dezembro 12, 2010

Blocos



É isto vivemos dentro

de grandes blocos de gelo

sem aquecermos ao menos

com os dedos outros dedos

No fundo de nós temendo

que um dia se quebre o gelo

David Mourão-Ferreira

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sábado, dezembro 11, 2010

Coisa amar



Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

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sexta-feira, dezembro 10, 2010

Corpo habitado



Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumor das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim -
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.

Eugénio de Andrade

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quinta-feira, dezembro 09, 2010

Sete Luas



Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas
Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.
Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.

Natália Correia

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quarta-feira, dezembro 08, 2010

Madcon - Beggin



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terça-feira, dezembro 07, 2010

Extreme - More Than Words



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segunda-feira, dezembro 06, 2010

John Mayer - Waiting on the World to Change



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domingo, dezembro 05, 2010

A meias



Bebo o meu café enquanto bebes
do meu café. Intriga-me que faças isso.
Se te posso pedir um
(se podes tomar um igual)
porque hás-de querer do meu?
Que
não. Que não queres. Escuso
de pedir
que não queres. Então
começo
um cigarro e tu fumas do
meu cigarro dizes
«tenho quase a certeza de
não acabar um sozinha» por isso
fumas do meu. Dá-te
gozo esse roubar
de
leves goles furtivos
dá gozo participar
do prazer que eu possa ter
contigo
(e entre nós)
dá-se agora tudo
a meias.

João Luís Barreto Guimarães

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sábado, dezembro 04, 2010

Nas vastas águas...



Nas vastas águas que as remadas medem.
tranquila a noite está adormecida.
Deslisa o barco, sem que se conheça
que o espaço ou tempo existe noutra vida,
em que os barcos naufragam, e nas praias
há cascos arruinados que apodrecem,
a desfazer-se ao sol, ao vento, à chuva,
e cujos nomes se não vêem já.
Ao que singrando vai, a noite esconde o nome.

Jorge de Sena

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sexta-feira, dezembro 03, 2010

Boca



Boca: nunca te beijarei.
Boca de outro que ris de mim,
no milímetro que nos separa,
cabem todos os abismos.

Boca: se meu desejo
é impotente para fechar-te,
bem sabes disto, zombas
de minha raiva inútil.

Boca amarga pois impossível,
doce boca (não provarei),
ris sem beijo para mim,
beijas outro com seriedade.

Carlos Drummond de Andrade

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quinta-feira, dezembro 02, 2010

Nem sempre o corpo se parece



Nem sempre o corpo se parece com
um bosque, nem sempre o sol
atravessa o vidro,
ou um melro cante na neve.
Há um modo de olhar vindo
do deserto,
mirrado sopro de folhas,
de lábios, digo.

Eugénio de Andrade

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terça-feira, novembro 30, 2010

Caleidoscópio



Tu e o Mundo
caleidoscópio
onde perscruto
enquanto posso
o que é fecundo
por trás do óbvio
Atrai-me o fluido
mais do que o sólido
Só me seduzem
na praia as rochas
na terra os muros
se acaso escorrem
de mar ou chuva
Que vale o bosque
sem o sussurro
das altas copas
De vulto a vulto
o que me empolga
é ver o fluxo
sentir as trocas
ou os conluios
do que se evola
E sobretudo
na luz nos olhos
de quem se busca
Assim tu própria
perante o Mundo
caleidoscópio
em que mergulho
Oh turva glória
Trago do fundo
pedras informes
cristais avulsos
Só te constroem
quando os destruo
Então de sólida
tornas-te fluida
Tal como a 'stória
do próprio Mundo
Divagas Vogas
em mar em chuva
líquido bosque
sob o sussurro
das altas copas
toda lacustre
enfim tão próxima
do que procuro
e me renova

David Mourão Ferreira

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segunda-feira, novembro 29, 2010

Beijo



Diz-me que o beijo
Exprime toda a essência viva e profunda
Da manhã
E diz-me que me queres assim
Planalto e mar
Dunas e luz
Diz-me do beijo que sentes de mim.

Paula Raposo, in"O Verbo Ser", pág.7, Apenas Livros Lda.

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domingo, novembro 28, 2010

Sting - Roxanne



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sábado, novembro 27, 2010

A filha mais velha dos evangelistas



Pergunto-me se a nossa também vai ser assim
(a biqueira rente aos lábios)
bota em cima da mesa
com pouco mais de dois anos já
pede águas minerais para
entornar
sobre a mesa. Pergunto-me se
a nossa também vai lograr atenção (os
dedos untando o casaco)
se vai rir dessas asneiras

vai parar de chorar quando o empregado trouxer
rebuçados de limão. E
têm
mesmo de ser de limão. Agora
que a içamos
entre mãos pela galeria e
a mãe se deixa atardar
tropeçando num suspiro
pergunto-me mais seriamente se a nossa
vai ser assim
se vai rir e chorar no tempo dos olhares certos
(se vai ser de fazer caras)
ou vai responder com piada e caretas impossíveis
às perguntas impossíveis.
Agora que
a mãe se atrasou e ficamos nós com a miúda
peço-te:
mais devagar. Espera pela primavera. Não
queria que os vizinhos nos vissem
sós
com a miúda que
nos dissessem sinceros que bem vamos com ela
( ou nos
chamassem de tolos por ter chegado tão cedo)
sobretudo que pensassem que
esta
que aqui levamos
entre nãos
já é nossa.

João Luís Barreto Guimarães

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sexta-feira, novembro 26, 2010

Axis of Awesome - 4 Four Chord Song (with song titles)



Que espectáculo!
Na Austrália, o grupo de humoristas Axis of Awesome provou, na base do gozo,
que quase todos os sucessos da música pop têm os mesmos quatro acordes musicais.
Com a mesma sequência, cantaram Beatles, Michael Jackson, U2, Lady Gaga, Bob
Marley e muitos outros.

PS:Recebido por email.

PS2:Desligar o som do blog no lado direito.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Chuva



Ergue-te ó chuva
nos olhos das manhãs
inquietantes de deus

reflexo indecifrável
esculpido no tempo
estala entre
o imenso consolo
das nossas poderosas emoções
e o pavor que trazemos
aos gritos no crepúsculo
de ti debruçada
sobre os campos
sobre a fome

ergue-te
acende no olhar
a carícia das flores
encantada janela de deuses
voltada às estrelas
de onde caem nenúfares
camélias flores de papel...

sentes-te só
miraculosamente viva
corajosa recordas em silêncio
a piedade que resta
aos espíritos da água
misteriosos como pingos
preciosos cintilantes
na angústia humilde
da transformação

deixai falar a alma
transfigurada adormece a chuva
nos olhos inquietantes de deus

vulto cinzento de sombras
a tua valiosa máscara
esconde no nevoeiro pálido
o martírio a graça o corpo
de quem se despe de vida

ergue-te ó chuva
em gemidos
escavas e beijas as fontes
buscas os olhos de deus
indo sozinho anseia
em teus braços molhados adormecer...

redimido em
cristalinas lágrimas
onde navegaram
ensombrados os meus sonhos
de rir de cruzes de batalhas

és a sombra desenhada
pelas águas tuas
num jardim desfeito
de tanta ilusão incompleto
ergue-te ó chuva!

Henrique Levy

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quarta-feira, novembro 24, 2010

A recusa das imagens evidentes



I

Rosa que só tens nexo
Fora da tua imagem:
Aqui és só reflexo
Do universo unido
No instante florido
Que ofereces aos que te olham,
Sem te ver, de passagem.

II

Girassol que na retina
Da planície se dissolve.
És a cor mais repentina
Da aragem que te envolve.

Girassol que só te viras
Ao que não te fica perto
E só giras porque giras
Sobre o teu eixo secreto.
.
Girassol que sem volume
Volume que sem contorno
No despegar-se resume
Só a pressa do retorno.

III

É um outono que não é outono.
Tampouco a estação por que se espera
Na dor de nos deixarern ao abandono
As ninfas que são flores na primavera.
.
No entanto nas coisas o segredo
De uma só alma põe a sabedoria
Dando à terra repouso no arvoredo
De que o cedro é a sagrada biografia.

IV

Há noites que são feitas dos rneus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca forarn feitas.

Há noites que levarnos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
A mais longínqua onda do seu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.

V

Há um cipreste que se dissimula
No dia que nos leva pela mão.
E entre brasas de sol que ardem na rua
Uma pomba que faz de coração.
.
Voa: uma linha recta para a lua
Em sonhos que nos levam de balão.
Perversidade de uma paz futura
Onde só chegaremos de caixão?

E nada nos recorda esse futuro
Escondido atrás das nuvens que trouxeram
Ao nosso rosto os olhos prematuros
Das órbitas reais que nos esperam.

Natália Correia

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terça-feira, novembro 23, 2010

Se o vento é a ignição



Se o vento é a ignição
das árvores venha o
temporal, elas ateadas sobre
as nossas cabeças, desmembradas
da terra como voadores desajeitados, meu pai
já conheço o vão da tua fome, peço-te,
faz de mim uma colher
divina.

Valter Hugo Mãe

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segunda-feira, novembro 22, 2010

Ode ao burguês



Eu insulto o burgês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Mário de Andrade

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domingo, novembro 21, 2010

Alanis Morissette - That I Would Be Good Live



PS:Desligar o som do blog no lado direito.

sábado, novembro 20, 2010

Pequenas coisas



Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.

Albano Martins

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sexta-feira, novembro 19, 2010

O amor



É uma coisa que desliza
por cima das lagoas
que corre pelos campos sem sentido
que empurra o vento
e apruma o sol no solstício
que derruba a bruma e fecha o horizonte
que nos faz ver de noite e de dia cegos
tacteando o ar sem provimento
que dá o movimento aos astros
e às sombras infinitas
que abre o mar por onde os escravos passam
e ficam livres sem saber
é a cascata que nos dilui
e lança na corrente sem perfídia
até ao oceano dos sentidos
é o iceberg que se funde
e derrota os titanics
que passam solitários pelas albas
é o assombro da manhã
o cantar dos ralos nas searas
o despertar das aves e rebanhos
o charco onde crescem amarelo e roxo
as flores da primavera

é só eu e tu
como nas novelas

Henrique Ruivo

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quinta-feira, novembro 18, 2010

Como as espigas



Finalmente (embora
saibas que não há
nem fim nem princípio):
deves dizer ainda
que há uma rosa de espuma
no teu peito e que
o seu perfume
não se esgota. E que lá
também existe
uma fonte onde bebem
as flores silvestres. Mas não
humildes, como ias
chamar-lhes: altas
como as espigas
do vento, que no vento
se esquecem e que no vento
amadurecem.

Albano Martins

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quarta-feira, novembro 17, 2010

Quem és tu



Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, novembro 16, 2010

Dardos:)



A Maria de Fátima ofereceu-me este selo e estou-lhe bastante agradecida.

Vou oferecê-lo a:

Fatyly

Observador

Xanax

As minhas romãs

Itinerário

E a quem o quiser pegar.

segunda-feira, novembro 15, 2010

Não é música



Não é música o que ouvimos.
Não é de água este brilho de prata.

Eu estou aqui sobre as pontes do rio.
Outros são os que espreitam pela bruma das margens.

Talvez me lembre:
tu vinhas devagar pelo lado das acácias.
Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um
deus cruel, o saber dos templos.

Não é um salmo o que ouvimos.
Não é de harpas este lamento,
não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,
não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.

Algures te ocultas e não deixas sinais.
Quem és tu
cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos
confins da tarde?

Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem
as sendas e as sombras,
onde correm as nuvens, as pedras, as águas.

Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.

José Agostinho Baptista

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domingo, novembro 14, 2010

Cascatas



São cascatas azuis
fabris
Desejos e sonhos
Cumpridos

A minha distãncia
Algures na planície
Ondula no vento
E sorri-te

Magnífica
E deslumbrante
Cativando
Sempre um pouco mais
O teu olhar

Sobre nós as flores.

Paula Raposo, in"O Verbo Ser", pág.35, Apenas Livros Lda.

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sábado, novembro 13, 2010

Aconteceu-me



Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos !
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.

Almada Negreiros

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quinta-feira, novembro 11, 2010

Um cigarro



Um cigarro
ninguém tem
um cigarro?
um copo de vinho
um amor perdido
uma causa iludida
uma angústia a mais?
alguém quer trocar
de veias
de sangue
de coração
de pulmões?
um cigarro
ao menos
ninguém tem
um cigarro?

Carlos Alberto Machado

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quarta-feira, novembro 10, 2010

Sobre a pintura de um ramo florido:"Primavera Precoce" de Wang



Quem disse que a pintura deve parecer-se com a realidade?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bain Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?

Su Dong Po

Pintura:Zhao Chang (Séc.XI)

terça-feira, novembro 09, 2010

Submersa



Vesti um iceberg
E camuflei-me
Misturando-me no mar.
Fui búzio e concha,
Ostra e alga.
Mergulhei num mundo
Submerso,
Sob uma maquilhagem
Insuficiente e desastrosa,
Penando dilúvios
E afogando-me no temporal.

Paula Raposo, in"O Verbo Ser", pág.24, Apenas Livros Lda

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segunda-feira, novembro 08, 2010

Um Amigo



Há uma casa no olhar
de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins
das palavras que trazemos
o amigo ergue o cálice
e o verão
das sementes.
Então abre as janelas das mãos para que cantem
a claridade, a água
e as pontes da sua voz
onde dançam os mais árduos esplendores.

Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpagos e nos exílios,

onde a ira nómada da cidade arde
como um cego em busca de luz.

Eduardo Bettencourt Pinto

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domingo, novembro 07, 2010

sábado, novembro 06, 2010

Descobrimento



Um oceano de músculos verdes
Um ídolo de muitos braços como um polvo
Caos incorruptível que irrompe
E tumulto ordenado.
Bailarino contorcido
Em redor dos navios esticados
Atravessamos fileiras de cavalos
Que sacudiam as crinas nos alísios
O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sexta-feira, novembro 05, 2010

Coração Polar



Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures no mar
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.
Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha .
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.

Manuel Alegre

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quinta-feira, novembro 04, 2010

O valioso tempo dos maduros



Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.

'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mário Pinto de Andrade (Angola)

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quarta-feira, novembro 03, 2010

Estou escondido na cor amarga do fim da tarde



Estou escondido na cor amarga do
fim da tarde. sou castanho e verde no
campo onde um pássaro
caiu. sinto a terra e orgulho
por ter enlouquecido. produzo o corpo
por dentro e sou igual ao que
vejo. suspiro e levanto vento nas
folhas e frio e eco. peço às nuvens
para crescer. passe o sol por cima
dos meus olhos no momento em que o
outono segue à roda do meu tronco e, assim
que me sinta queimado, leve-me o
sol as cores e reste apenas o odor
intenso e o suave jeito dos ninhos ao
relento.

Valter Hugo Mãe

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terça-feira, novembro 02, 2010

Estrelas



Encosta a cabeça
a estas nuvens
acariciadoras
em seguida
dorme
deixa a tua melancolia opaca
de planeta
bailar na praça do sonho.
Deixa as estrelas desta noite
serem só
o antigo
cântico dos bosques
e os teus versos
os rios
que atrás ficaram a brilhar.

João Martim

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segunda-feira, novembro 01, 2010

Sistema socializado de saude




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sábado, outubro 30, 2010

O mundo completo



Estes gestos de vento,
estas palavras duras como a noite,
estes silêncios falsos,
estes olhares de raiva a apertarem as mãos,
estas sombras de ódio a morderem os lábios,
estes corpos marcados pelas unhas!. . .

Esta ternura inventando desejos na distância,
esta lembrança a projectar caminhos,
este cansaço a retratar as horas!...

Amamo-nos. Sem lírios
sobre os braços,
sem riachos na voz,
sem miragens nos olhos.

Amamo-nos no arame farpado,
no fumo dos cigarros,
na luz dos candeeiros públicos.

O nosso amor anda pela rua
misturado ao buzinar dos carros,
ao relento e à chuva.

O nosso amor é que brilha na noite
quando as estrelas morrem no céu dos aviões.

António Rebordão Navarro

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quinta-feira, outubro 28, 2010

Poema de agradecimento à corja



Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.

Joaquim Pessoa

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terça-feira, outubro 26, 2010

Um poema exemplar



Um poema exemplar: em linhas como:
«Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e existem praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes»

Sophia de Mello Breyner Andresen

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