sexta-feira, dezembro 31, 2004

Imutabilidades

foto: Rene Asmussen

Já substituí o calendário
Deitei o dia, o mês, o ano para o lixo
Um novo calendário marca-me já o tempo
Dias com números iguais ao outro
Meses com o mesmo nome
Tempo com a mesma medida.
Faço já do hoje amanhã
Sem votos, sem resoluções, sem festas ou despedidas.
Amanhã nada será novo
A estupidez do Homem será amanhã como hoje,
Porque natural
A maldade do Homem será amanhã como hoje,
Porque inata
A apatia do Homem será amanhã como hoje,
Porque confortável.
Antecipei-me e mudei já o calendário
Dias com números iguais ao outro
Meses com o mesmo nome
Tempo com a mesma medida.
Texto:

Homenagem às vítimas do Tsunami

Paraíso




Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


David Mourão-Ferreira

Foto:Ana Isa Fonseca

Como dizer o silêncio?




Se em folhagem de poema
me catais anacolutos
é vossa a fraude. A gema
não desce a sons prostitutos.

O saltério, diletante,
fere a Musa com um jasmim?
Só daí para diante
da busca estará o fim.

Aberta a porta selada,
sou pensada já não penso.
Se a Musa fica calada
como dizer o silêncio?

Atirar pérola a porco?
Não me queimo na parábola.
Em mãos que brincam com o fogo
é que eu não ponho a espada.

Dos confins, o peristilo
calo com pontas de fogo,
e desse casto sigilo
versos são só desafogo.

E também para que me lembrem
deixo-os no mercado negro,
que neles glórias se vendem
e eu não sou só desapego.

Raiz de Deus entre os dentes,
aí, pára a transmissão.
Ultra-sons dessas nascentes
só aves entenderão.


Natália Correia

quinta-feira, dezembro 30, 2004

Corpo habitado




Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumor das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim -
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.


Eugénio de Andrade

Foto:João Freitas

Everybody Hurts




When your day is long and the night
The night is yours alone
When you're sure you've had enough of this life
Well hang on
Don't let yourself go, 'cause everybody cries
and everybody hurts, sometimes ...

Sometimes everything is wrong,
Now it's time to sing along
When your day is night alone (hold on, hold on)
If you feel like letting go (hold on)
If you think you've had too much of this life
Well hang on

'Cause everybody hurts
Take comfort in your friends
Everybody hurts
Don't throw your hands, oh no
Don't throw your hands
If you feel like you're alone
no, no, no, you're not alone

If you're on your own in this life
The days and nights are long
When you think you've had too much
of this life, to hang on

Well everybody hurts,
sometimes, everybody cries,
And everybody hurts ...
sometimes
But everybody hurts sometimes
So hold on, hold on, hold on, hold on, hold on,
hold on, hold on, hold on, hold on, hold on

Everybody hurts
You're not alone


R.E.M.

PS: Dedico este post aos amigos. Eles sabem quem são, não preciso de os enumerar:) beijos***

Acredite apenas




Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem!
Saiba também que não crer algo significa algo crer!


Bertolt Brecht

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Perdoem , mas com muita ironia desejo um bom 2005




Estou irritada, revoltada, a sentir-me impotente.

Andam os estúpidos dos americanos e outros a gastar dinheiro em guerras, matam pessoas, inocentes, quando basta um Tsunamy no Pacífico , para que morram milhares!

Agora há o perigo das doenças devido aos mortos. Aquela gente sim, precisa de ajuda.

Vejo o telejornal e não tenho vergonha de o escrever, choro. A mãe Natureza prega cada uma!

Por isso não me venham com guerras, politiquices, o outro anormal a dizer que ficou com "as costas cheias de cicatrizes".

Isso não é NADA!

TUDO é o que aconteceu no Pacífico. TUDO é a fome, o desemprego, a pobreza.

Estou com muita raiva!

Assim, apesar de tudo, um bom 2005.

wind

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos




Um dia a areia branca
Seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente


Caetano Veloso

É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!




É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela... que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores...
Tremi de febre!
Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! É ela! - repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas
Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camizinhas!
É ela! É ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou - é ela!


Álvares de Azevedo

terça-feira, dezembro 28, 2004

O Livro dos Amantes




"I"

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.


Natália Correia

Foto:A Brito

A Lagartixa




A lagartixa ao sol ardente vive,
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão dos teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sol a lagartixa.
Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.
Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.
Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha;
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.


Álvares de Azevedo

Foto:Pedro Marques Pereira

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Bairro do Amor




No bairro do amor a vida é um carrossel
Onde há sempre lugar para mais alguém
O bairro do amor foi feito a lápis de côr
Por gente que sofreu por não ter ninguém

No bairro do amor o tempo morre devagar
Num cachimbo a rodar de mão em mão
No bairro do amor há quem pergunte a sorrir:
Será que ainda cá estamos no fim do Verão?

Eh, pá, deixa-me abrir contigo
Desabafar contigo
Falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
Descontrair-me um pouco
Eu sei que tu compreendes bem

No bairro do amor a vida corre sempre igual
De café em café, de bar em bar
No bairro do amor o Sol parece maior
E há ondas de ternura em cada olhar

O bairro do amor é uma zona marginal
Onde não há hotéis nem hospitais
No bairro do amor cada um tem que tratar
Das suas nódoas negras sentimentais

Eh, pá, deixa-me abrir contigo
Desabafar contigo
Falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
Descontrair-me um pouco
Eu sei que tu compreendes bem


Jorge Palma

Na estrada de Sintra




[...]

Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distancia que alcanço,
E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero...
Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao fiá-lo sem vê-lo,

À porta do casebre,
O meu coração vazio.
O meu coração insatisfeito.
O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida

Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante.
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...

[...]


Álvaro de Campos

Cântico IV




Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.


Cecília Meireles

Soneto




Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós - e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela... Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela! Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando! Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro!


Álvares de Azevedo

Foto:António Melo

domingo, dezembro 26, 2004

Estou vivo e escrevo sol




Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde.


António Ramos Rosa

sábado, dezembro 25, 2004

Devias estar aqui rente aos meus lábios




Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um

- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum


Eugénio de Andrade

Don't Give Up




In this proud land we grew up strong
We were wanted all along
I was taught to fight
Taught to win
I never thought I could fail

No fight left or so it seems
I am a man whose dreams have all deserted
I've changed my face
I've changed my name
But no one wants you when you lose

Don't give up
'Cause you have friends
Don't give up
You're not beaten yet
Don't give up
I know you can make it good

Though I saw it all around
Never thought that I could be affected
Thought that we'd be the last to go
It is so strange the way things turn

Drove the night toward my home
The place that I was born, on the lakeside
As daylight broke, I saw the earth
The trees had burned down to the ground

Don't give up
You still have us
Don't give up
We don't need much of anything
Don't give up
'Cause somewhere there's a place where we belong

Rest your head
You worry too much
It's going to be alright
When times get rough
You can fall back on us
Don't give up
Please don't give up

Got to walk out of here
I can't take anymore
Going to stand on that bridge
Keep my eyes down below
Whatever may come
And whatever may go
That river's flowing
That river's flowing

Moved on to another town
Tried hard to settle down
For every job, so many men
So many men no-one needs

Don't give up
'Cause you have friends
Don't give up
You're not the only one
Don't give up
No reason to be ashamed
Don't give up
You still have us
Don't give up now
We're proud of who you are
Don't give up
You know it's never been easy
Don't give up
'Cause I believe there's a place
There's a place where we belong


Peter Gabriel

É urgente que as pessoas se amem




É urgente que as pessoas se amem
sem vergonha e sem tristeza
Que se amem com orgulho
Com a alegria pagã da joie grega

É urgente que as pessoas não se escondam
por detrás das outras pessoas
das ideias das outras pessoas
dos muros espessos do medo

É urgente que as pessoas se amem

É urgente partilhar o pão e o corpo
com a claridade da terra molhada
nas manhãs de sol

É urgente assumir a verdade


Manuela Amaral

Foto:Heloísa Galha

sexta-feira, dezembro 24, 2004

"White Christmas"




The sun is shining
The grass is green
The orange and palm trees sway.
I've never seen such a day
In Beverly Hills LA.
But it's December the 24th
And I am longing to be up North.

I'm dreaming of a white Christmas
Just like the ones I used to know.
Where the treetops glisten,
And children listen
To hear sleigh bells in the snow.
I'm dreaming of a white Christmas
With every Christmas card I write.
May your days be merry and bright.
And may all your Christmases be white.


Cantado por Bing Crosby entre outros.

Porque é Natal e porque é a música que mais gosto (antiga) de Natal.

S




Saí de mim à procura
Dum espaço noutro peito
Pra conjugar sem loucura
O verbo, noutro sujeito.

Saí de mim no desejo
Duma aurora de promessa
Esperando no amor ensejo
De o viver, sem muita pressa.

Saí de mim encantada
Com a busca que faria
Mesmo longa a caminhada
A bom porto levaria.

Saí de mim, descobri
Que o tempo mais que perfeito
Foi aquele em que vivi
Todo o amor sem sujeito!...

Maria Mamede, in "Pelas Letras do Alfabeto"

Sem Título




"PENSO: TALVEZ O SOFRIMENTO SEJA LANÇADO às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros."


José Luís Peixoto, Nenhum Olhar, Temas&Debates, pág. 25

Foto:Emília Duarte

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Natal de 71




Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?


Jorge de Sena
Exorcismos

Enviado por uma pessoa amiga (como prenda de Natal) via e-mail, mas que prefere o anonimato. Beijos para ela:)*

PS: Não sei se já repararam na GNR que está no Iraque a mandar para a família votos de Feliz Natal. Voltem uns anos (muitos) atrás e recordem-se da mesma altura, os soldados que estavam no Ultramar. Era pequena, mas lembro-me e até lhes dizia adeus...

Anseios




Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não estendas tuas asas para o longe..
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela,a soluçar...


Florbela Espanca

Nem sempre é melhor um pássaro na mão...

foto: Victor Ivanovski

Concentrado, José testava o instrumento.
Há tanto tempo não o usava
Que não queria que nada falhasse
Quando chegasse a hora H.
A amada viajava, uma viagem demorada,
E José não via a hora
De a ter na cama deitada
E fazer amor com paixão.
Enquanto pensava nela e no coito de despedida,
Acelerou o movimento
Despertou de tal modo o instrumento
Que acabou em explosão.
A porta abre-se e entra a amada,
Que vendo a cena caricata,
De José seminu, com o instrumento na mão,
E não a cena desejada
De José de braços abertos a recebê-la com calor,
Furiosa e indignada atirou-lhe uma jarra gritando:
É assim que esperas por mim?
É assim que me recebes, seu grande estupor?
A jarra acertou na cabeça de José,
Que tropeçou, perdeu o pé, caiu desamparado.
E tanto azar teve José,
Que caiu no meio dos vidros, restos da jarra partida,
Que a amada, zangada, lhe atirou.
Lâminas dilacerantes, cortantes,
Cravaram-se no instrumento
E José chorou
Não de prazer como ansiava
Mas sim de dor, de sofrimento.
José aprendeu na pele uma importante lição:
Quem espera sempre alcança,
Quem não espera e se antecipa
Pode perder de vez o tesão.

Texto:

Poema de Natal




Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação na poesia
Para ver a face da morte
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.


Vinicius de Moraes, in Antologia Poética

Mandado por e-mail como prenda de Natal do meu amigo real "Pantanero"" o revolucionário de coração doce:)

Obrigada:-)***

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Happy X-Mas (War Is Over)




So this is christmas
and what have you done
another year over
a new one just begun

and so this is christmas
i hope you have fun
the near and the dear ones
the old and the young

a very merry christmas
and a happy new year
let's hope it's a good one
without any fear

and so this is christmas (war is over...)
for weak and for strong (...if you want it)
the rich and the poor ones
the road is so long

and so happy christmas
for black and for white
for the yellow and red ones
let's stop all the fight

a very merry christmas
and a happy new year
lets hope it's a good one
without any fear

so this is christmas
and what have you done

war is over - if you want it
war is over - if you want it
war is over - if you want it
war is over - if you want it

John Lennon

Como é fácil de perceber sou fã de John Lennon. Podia ser um sonhador, mas intervinha.

Como tal dedico isto aos meus amigos, principalmente a estes que não são virtuais, são reais e também intervêm, felizmente:)

"Encandescente", "Lia", "Lique", "Maria Branco" e "Ognid e Lmatta".

Beijos:)***

Casa Pia e Casa do Gaiato


Casa Pia Casa do Gaiato

"Missa dos Pássaros"

É a missa dos pássaros
Em silêncio circunscrito à dureza da rocha
Com os olhares filtrados
Nos vitrais da demora translúcida e roxa

Libertas
Equalitas
Fraternitas
Pulcrae Sunt

Há uma calma precisa
Como um véu encobrindo a ansiedade premente
Os relógios estão mortos
Só o sangue lateja entre as penas dormentes

Libertas
Equalitas
Fraternitas
Pulcrae Sunt

É o ritual das aves
Confessam-se à natureza e aguardam a presa
No momento oportuno
Ao alcance das garras a morte é surpresa

Libertas
Equalitas
Fraternitas
Pulcrae Sunt


Jorge Palma

Porto Côvo




Roendo uma laranja na falésia
Olhando o mundo azul à minha frente,
Ouvindo um rouxinol nas redondezas,
No calmo improviso do poente

Em baixo fogos trémulos nas tendas
Ao largo as águas brilham como prata
E a brisa vai contando velhas lendas
De portos e baías de piratas

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo

A lua já desceu sobre esta paz
E brilha sobre todo este luzeiro
À volta toda a vida se compraz
Enquanto um sargo assa no brazeiro

Ao longe a cidadela de um navio
Acende-se no mar como um desejo
Por trás de mim o bafo do destino
Devolve-me à lembrança do Alentejo

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo

Roendo uma laranja na falésia
Olhando à minha frente o azul escuro
Podia ser um peixe na maré
Nadando sem passado nem futuro

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo


Rui Veloso

Lamento do oficial por seu cavalo morto




Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!


Cecília Meireles,(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)

terça-feira, dezembro 21, 2004

Mais uma vez o Natal




Nestes últimos dias é ver na televisão programas para crianças, para os hospitais, para os idosos.

Porque é Natal!

Hipocrisias! E o resto do ano?

E pessoas que nos são próximas, que não têm dinheiro para comer, são despedidas, famílias longe (como a minha)?

Estes não têm direito ao Natal porquê?

Quem ler isto pode dizer que sou uma demagoga, mas não sou. Os amigos que me conhecem sabem como sou e eu sei como eles são.

Se eu soubesse escrever um texto de intervenção ou um poema, fá-lo-ia e isto possivelmente ficaria mais bonitinho. Mas não sei.

Assim fica só a minha revolta contra a mentira, a hipocrisia, o cinismo de alguns.

Felizmente tenho amigos que não são demagogos e dão, tal como eu o que podem.

A esses o meu obrigada e que continuem a ser as pessoas que são!

wind

Vive




Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

Foto:Anderson & Low

Nunca o Verão se demorara




Nunca o Verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?


Eugénio de Andrade

Foto:A Brito

segunda-feira, dezembro 20, 2004

H1 "Hei-de convidar..."




Hei-de convidar a Lua
Para vir,
Com o seu vestido de noite bordado de estrelas
Contar-te histórias de amores proibidos
De vidas de luta ao sol de Estio...
Hei-de convidar o vento
Para te trazer o rumor do mar
Que verás da tua janela
Ondulando como um trigal
Lá longe
Na planura pintada de papoilas;
Heide convidar um anjo
Para te trazer um pedaço do céu
Roubado ao infinito
Para que tu possas ser realmente tu
E brilhar eternamente
Por teres encontrado a Paz!...


Maria Mamede, in "Pelas Letras do Alfabeto"

Foto:Anderson & Low

A Vida


A vida é como o entrelaçar de ramos de uma árvore.

Foto: Wind
Texto: Lmatta

Os que lutam




"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."


Bertolt Brecht

Nunca é demais relembrá-lo, porque é actual na porcaria do país que temos e no mundo cheio de fome e guerra.

Que raiva e sentimento de impotência perante tudo isto e vêm-me falar no Natal!

domingo, dezembro 19, 2004

Queixa das almas jovens censuradas




Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte


Natália Correia, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

Agradeço ao "Zeca Telhado" a sugestão:)

A defesa do poeta




Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além

Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.


Natália Correia

sábado, dezembro 18, 2004

Give Peace A Chance




Two, one two three four
Ev'rybody's talking about
Bagism, Shagism, Dragism, Madism, Ragism, Tagism
This-ism, that-ism, is-m, is-m, is-m.
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance

C'mon
Ev'rybody's talking about Ministers,
Sinisters, Banisters and canisters
Bishops and Fishops and Rabbis and Pop eyes,
And bye bye, bye byes.

All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance

Let me tell you now
Ev'rybody's talking about
Revolution, evolution, masturbation,
flagellation, regulation, integrations,
meditations, United Nations,
Congratulations.

All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance

Ev'rybody's talking about
John and Yoko, Timmy Leary, Rosemary,
Tommy Smothers, Bobby Dylan, Tommy Cooper,
Derek Taylor, Norman Mailer,
Alan Ginsberg, Hare Krishna,
Hare, Hare Krishna

All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance


John Lennon

Até quando terás, minha alma, esta doçura




Até quando terás, minha alma, esta doçura,
este dom de sofrer, este poder de amar,
a força de estar sempre – insegura – segura
como a flecha que segue a trajetória obscura,
fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?


Cecília Meireles

Foto:Walmir Piva

Moça morena e ágil...




Moça morena e ágil, o sol que faz as frutas,
o que dilata os trigos, o que retorce as algas,
fez o teu corpo alegre, os luminosos olhos
e essa boca que tem o sorriso da água.

Um sol negro e ansioso enrola-se-te nos fios
da negra cabeleira, quando estendes os braços.
Tu brincas com o sol como se fosse um esteiro
e ele deixa-te nos olhos dois escuros remansos.

Moça morena e ágil, nada de ti me abeira.
Tudo de ti me afasta, como do meio-dia.
Tu és a delirante juventude da abelha,
a embriaguez da onda, a força que há na espiga.

Porém no meu coração sombrio te procura
e eu amo o teu corpo alegre, a tua voz solta e fina.
Borboleta morena, suave e definitiva
como o trigal e o sol, como a papoila e a água.


Pablo Neruda

Foto:Walmir Piva

A paixão medida




Trocaica te amei, com ternura dáctila
e gesto espondeu.
Teus iambos aos meus com força entrelacei.
Em dia alcmânico, o instinto ropálico
rompeu, leonino,
a porta pentâmetra.
Gemido trilongo entre breves murmúrios.
E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,
senão a quebrada lembrança
de latina, de grega, inumerável delícia?


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Políticos nús, já!

foto: Christian Coigny

A questão política do momento é:
Votar em quem? Esquerda? Direita?
Nos mais ou menos inteligentes?
Nos mais ou menos competentes?
Nos que têm melhores programas eleitorais?
Eu proponho votar no político mais jeitoso, mais formoso
No que tiver a anatomia perfeita.
Esta ideia nem sequer é inovadora
Foi iniciada pela Coligação.
Que achou que uma orelha mais pequena que outra num politico
Era sinal de pouca inteligência e confusão.
Já na altura achei esta linha de pensamento
Revolucionária, pragmática, original,
Abrindo um leque enorme de possibilidades
E colocando inúmeras novas questões:
Uma perna mais curta que a outra
Pode ser sinal que o político é mentiroso,
Uma narina mais aberta que outra
Sinal de desonestidade,
Uma nádega mais cheia que outra
Pode mostrar tendência para a corrupção,
E quiçá, um pénis pequeno ou sofrer de disfunção eréctil
Sinal de fraqueza, falta de verticalidade, indecisão.
Eu proponho o seguinte:
Políticos nus, já!
Que o corpo seja manifesto, projecto eleitoral.
Que seja visionado, analisado, apalpado pelos eleitores
Antes de tomarem uma decisão.
Debates eleitorais?
Só todos nus e na passerelle.
Comícios?
Só se o politico desfilar, e for visto de todos os ângulos,
Para se confirmar que não falta nada,
Que tudo está onde e como deve estar.
Votos no político?
Não antes do político nos ter passado pela mão.

Texto:

A bunda que engraçada




A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.


Carlos Drummond Andrade

Foto: Bernard Besozzi

quinta-feira, dezembro 16, 2004

O analfabeto político




"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."
Nada é impossível de Mudar
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
Privatizado
"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence."


Bertolt Brecht

Foto "roubada" "Xupacabras"

Não baixo os braços! Vocês baixam?

wind

Desafio



Foto:Teresa Fonseca

Para variar deixo-vos um desafio, para quem aceitar.
A partir da foto, escrevam qualquer coisa nos comments ( o que vos apetecer).
Fica ao critério de cada pessoa:)

wind

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Natal


E a lama inundou as ruas
Molhou os sapatos dos passantes que faziam compras
Sujou os papéis coloridos e os laços brilhantes dos presentes de Natal
Enlameou os enfeites natalícios pendurados nas ruas
Tingiu de castanho as barbas brancas dos pais natal.
A lama escorreu pelas paredes das casas
Condicionou o trânsito nas avenidas
Escureceu as lâmpadas que iluminam as ruas.
E a lama era a indiferença, o egoísmo, o esquecimento.
Eu, que não acredito no Natal,
Que não acredito num Jesus nascido numa manjedoura
Fruto de uma imaculada concepção entre deuses e humanos
Eu que não acredito no Jesus salvação
No Jesus expiação dos pecados do pai
No Jesus redentor, libertador, salvador da humanidade,
Vi surgirem da lama que inundou as ruas,
Imaculados e limpos,
Multidões de sem tecto, sem pão, sem Natal,
Livres de pecado porque despojados de esperança,
Que sabem que Jesus nasce todos os anos num centro comercial
E é oferecido embrulhado em papel colorido.

Texto:

Prendinha para a "Lique"

Amiga, como sei que adoras estes bichinhos queridos, resolvi dar-te um:)

Gargalhadas:-)

Muitos beijos da wind***




Foto:Rui Nabais

Faz-se luz pelo processo




Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca


Mário Cesariny

Foto:Micael Campos