terça-feira, outubro 31, 2006

Erótica



A noite descia
como um cortinado
sobre a erva fria
do campo orvalhado.
e eu (fauno em vertigem)
a rondar em torno
do teu corpo virgem,
sonolento e morno,
pensava no lasso
tombar do desejo;
em breve, o cansaço
do último beijo...
E no modo como
sentir menos fácil
o maduro pomo
do teu corpo grácil:
ou sem lhe tocar
– de tanto o querer! –
ficar a olhar,
até o esquecer,
ou como por entre
reflexos do lago,
roçar-lhe no ventre
luarento afago;
perpassando os meus
nos teus lábios húmidos,
meu peito nos teus
brancos
seios
túmidos...

Carlos Queirós

Foto:Stanmarek

Frases



Dos vendedores ambulantes que freqüentavam a Rua da União, dois me interessavam particularmente: a preta das bananas, com o seu vistoso xale de pano da Costa, e o homem dos sapatos. Este chegava com o seu grande baú de folha-de-flandres, abria-o na saleta de entrada e ficava esperando pela freguesia, que eram as senhoras de casa e da vizinhança. Eu gostava de olhar aquela confusão de borzeguins, chinelas e sapatos rasos. Mas, um dia, o sujeito, que era robusto e falava grosso, me interpelou: —Já vai ao colégio? Estuda Geografia? Qual é a Capital do Espírito Santo?

Embatuquei, e o sapateiro tripudiou: — Ignora?

O que eu esperava, o que eu ouvia dizer em tais ocasiões era: — “Não sabe?” Aquele “ignora”, que eu jamais ouvira, soou-me duro. Senti-me insultado, afastei-me do baú, nunca mais me aproximei do homem. E até hoje implico com esse inocente verbo “ignorar”, sobretudo no singular do presente do indicativo.

Outro dia foi meu tio Antonico que me surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza: — Quando você ia colher os cajus, eu já voltava com as castanhas!

Surpresa maior, porém, foi o que disse à minha avó unia sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos remédios: — Minha Dona França, deixe a natureza obrar!

Essas foram frases ouvidas na infância e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:

— A que horas a senhora janta?

— Às oito horas.

— Não pode ser às sete?

— Quem marca o horário das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.

A pretinha então, muito gentil:

— Claro, não leve a mal que eu pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá fora?

Manuel Bandeira

Imagem daqui

segunda-feira, outubro 30, 2006

Soneto do prazer maior



Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

Bocage

Tela:P. Charters d'Azevedo

Dançam; dançam



Como se no mar as ondas
não se arqueassem o bastante.

Como se na terra as pedras
não se elevassem o bastante.

Como se no ar as nuvens
não rodassem o bastante.

Como se o azul planetário
não fosse o longe bastante.

Dançam.

Fiama Hasse Pais Brandão

Foto:Gianni Candido

Green God



Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.

Eugénio de Andrade

Imagem daqui

Quase uma natureza morta



Um braço de rio que se solta da margem os ramos
prolongam, na água, a nostalgia de terra. A pureza
da luz não atravessa a superfície para se perder
num fundo que não se adivinha (ali, onde a corrente
faz saltar as espumas do centro, ninguém se aventura
- mesmo que as pedras separem o curso branco
das águas). «Que é isto?», perguntas. A parábola
capital a tua vida cortada ao meio, como se não
houvesse uma direcção única a prosseguir até ao
fim. «Nem no amor?» Porém, a tarde traz consigo
o frio, a visão transparente dos montes, e até
o canto dos pássaros parece mais nítido, como se
nenhuma outra vibração o contaminasse. Respiro
contigo o conhecimento da realidade mesmo que ele
passe pela descoberta de outra vida, pelo contacto
entre duas solidões, ou apenas por uma breve
hesitação antes que os lábios se toquem, levando
um e outro a saltar a outra margem - a mais abstracta
a que apenas separa um corpo de outro corpo e,
por cima disso, define os limites da razão e do sentimento.

Nuno Júdice

Tela daqui

Elogio da sombra



A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.

Jorge Luís Borges

Foto:José Marafona

Tarde Em Itapuã



Um velho calção de banho
O dia pra vadiar
Um mar que não tem tamanho
E um arco-iris no ar
Depois na praia Caymmi
Sentir preguiça no corpo
E uma esteira de vime
Beber uma água de côco

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Enquanto o mar inaugura
Um verde novinho em folha
Argumentar com doura
Com uma cacha de rolha
E com olhar esquecido
No encontro de céu e mar
Bem devagar ir sentindo
A terra toda a rodar

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz
É o diz-que-diz-que macio
Que brota dos coqueirais
E nos espaços serenos
Sem ontem nem amanhã
Dormir nos braços morenos
Da lua de Itapuã

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Vinicius de Moraes / Toquinho

Imagem daqui

A day and a day



Dois ou três cancros de que
vais sabendo «há pouco a fazer»),
o amigo maior de um amigo
brutalmente esmagado debaixo
de um camião. Não, não está a ser
propriamente um Inverno de contentamento.

O corpo já quase não responde
a tanta tristeza. E a casa, devagar,
fecha-se para dentro, implode. Parece
um coração, uma metáfora que te deixa
nos ombros um irrepetível cheiro a merda
e a sombra de um gato que vai morrer.

(«É a vida», deve pensar sem cérebro
- mais feliz - o teu companheiro
de jantar. Já lhe chamaste silêncio,
mas ninguém se chama assim,
ferindo o preto e branco da memória.
Assoa-se, pelo contrário, ao guardanapo
sujo de tinto da casa e acena-te com caspa
da sua vaga imortalidade. Na outra mesa, dois
corpos sussurram o inevitável calão do amor,
Muita gente, afinal, cabe neste mundo.

Da porta do bar saem depois alguns
engates e avós calcinadas
à terceira caipirinha. Um preto de óculos
que bebeu de mais acaba espancado
no passeio, sob o fervor policial do costume.

Custa ver - a vida, outro bar vazio,
sem quadros, onde beijas a ausência,
tudo o que perdidamente desamas
e não vale a pena e se dissipa sem pressa
no copo de cicuta cuja razão desconheces.)

É possível que Joachim Bernhard Hagen
tenha sido um exímio tocador do instrumento
que às vezes preferes. É um modo de acordar,
no fundo, e de perceber na pele a inutilidade
da manhã, os gestos que não serão ainda
esse amplo terreno de morte
- que depois
circunscreves a um poema
e não voltas a dormir. Odeio-te.

Manuel de Freitas

Foto: Andrzej Dragan

O camelo e a música



Eu tinha lido que, lá na Índia, elefantes olhando
o crepúsculo, às vezes, choram.
Mas agora está aí esse filme "Camelos também choram".
A gente sabe que porcos e cabritos quando estão sendo mortos
soltam gemidos e berros dilacerantes.
Mas quem mata galinha no interior nunca relatou ter visto
lágrimas nos olhos delas.
Contudo, esse filme feito sobre uma comunidade
de pastores de ovelhas e camelos, lá na Mongólia,
mostra que os camelos choram, mas choram não diante
da morte, mas em certa circunstância que faria chorar
qualquer ser humano.
E na platéia, eu vi, os não camelos também choravam.
Para nós, tão afastados da natureza, olhando a dureza
do asfalto e a indiferença dos muros e vitrinas;
para nós que perdemos o diálogo com plantas e animais,
e, por conseqüência, conosco mesmos,
testemunhar com aquela bela família de mongóis o nascimento
de um filhote de camelo e sua relação com a mãe
é uma forma de reencontrar a nossa própria e
destroçada humanidade.
É isto: eles vivem num deserto.Terra árida, pedregosa.
Eles, dentro daquelas casas redondas de lona e madeira,
que podem ser montadas e desmontadas.
Lá fora um vento permanente ou o assombro do silêncio
e da escuridão.
E as ovelhas e carneiros ali em torno, pontuando a paisagem
e sendo a fonte de vida dos humanos.
Sucede, então, que a rotina é quebrada com o parto difícil
de um camelinho. Por isto, a mãe camela o rejeita.
O filho ali, branquinho, mal se sustentando sobre as pernas,
querendo mamar e ela fugindo, dando patadas e indo acariciar
outro filhote, enquanto o rejeitado geme e segue inutilmente a mãe
na seca paisagem. A família mongol e vizinhos tentam forçar
a mãe camela a alimentar o filho. Em vão.
Só há uma solução, diz alguém da família,
mandar chamar o músico.
Ao ouvir isto estremeci como se me preparasse para testemunhar
um milagre. E o milagre começou musicalmente a acontecer.
Dois meninos montam agilmente seus camelos e vão
a uma vila próxima chamar o músico. É uma vila pobre,
mas já com coisas da modernidade, motos, televisão, e,
na escola de música, dentro daquele deserto,
jovens tocam instrumentos e dançam, como se a arte
brotasse lindamente das pedras.
O professor de música, como se fosse um médico de aldeia
chamado para uma emergência, viaja com seu instrumento
de arco e cordas para tentar resolver a questão da rejeição materna.
Chega.E ali no descampado, primeiro coloca o instrumento
com uma bela fita azul sobre o dorso da mãe camela.
A família mongol assiste à cena. Um vento suave começa a tanger
as cordas do instrumento. A natureza por si mesma harpeja
sua harmônica sabedoria. A camela percebe.
Todos os camelos percebem uma música
reordenando suavemente os sentidos. Erguem a cabeça,
aguçam os ouvidos, e esperam. A seguir, o músico retoma
seu instrumento e começa a tocá-lo, enquanto a dona da camela
afaga o animal e canta. E enquanto cordas e voz soam,
a mãe camela começa a acolher o filhote, empurrando-o docemente
para suas tetas. E o filhote antes rejeitado e infeliz,
vem e mama, mama, mama desesperadamente feliz.
E enquanto ele mama e a música continua, a câmara mostra
em primeiro plano que lágrimas desbordam umas após outras
dos olhos da mãe camela, dando sinais de que a natureza
se reencontrou a si mesma, a rejeição foi superada,
o afeto reuniu num todo amoroso os apartados elementos.
Nós, humanos, na platéia, olhamos aquilo estarrecidos.
Maravilhados.
Os mongóis na cena constatam apenas mais um exercício
de sua milenar sabedoria. E nós que perdemos o contato
com o micro e o macrocosmos ficamos bestificados com nossa
ignorância de coisas tão simples e essenciais.
Bem que os antigos falavam da terapêutica musical.
Casos de instrumentos que abrandavam a fúria, curavam a surdez,
a hipocondria e saravam até a mania de perseguição.
Bem que o pensamento místico hindu dizia que a vida
se consubstancia no universo com o primeiro som audível
-um Ré bemol e que a palavra só surgiria mais tarde.
Bem que os pitagóricos, na Grécia, sustentavam que
o universo era uma partitura musical,
que o intervalo musical entre a Terra e a Lua
era de um tom e que o cosmos era regido
pela harmonia das esferas.
Os primitivos na Mongólia sabem disto.
Os camelos também.
Mas nós, os pós-modernos cultivamos a rejeição,
a ruptura e o ruído.
Haja professor de música para consertar isto.

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Francisco Castelo

domingo, outubro 29, 2006

Namoro



Mandei-lhe uma carta
em papel perfumado
e com letra bonita
dizia ela tinha
um sorriso luminoso
tão triste e gaiato
como o sol de Novembro
brincando de artista
nas acácias floridas
na fímbria do mar

Sua pele macia
era suma-uma
sua pele macias
cheirando a rosas
seus seios laranja
laranja do Loge
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não

Mandei-lhe um cartão
que o amigo maninho tipografou
'por ti sofre o meu coração'
num canto 'sim'
noutro canto 'não'
e ela o canto do 'não'
dobrou

Mandei-lhe um recado
pela Zefa do sete
pedindo e rogando
de joelhos no chão
pela Sra do Cabo,
pela Sta Efigénia
me desse a ventura
do seu namoro
e ela disse que não

Mandei à Vó Xica,
quimbanda de fama
a areia da marca
que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço
bem forte e seguro
e dele nascesse
um amor como o meu
e o feitiço falhou

Andei barbado,
sujo e descalço
como um monangamba
procuraram por mim
não viu ai não viu ai
não viu Benjamim
e perdido me deram
no morro da Samba

Para me distrair
levaram-me ao baile
do Sr. Januário,
mas ela lá estava
num canto a rir,
contando o meu caso
às moças mais lindas
do bairro operário

Tocaram a rumba
e dancei com ela
e num passo maluco
voamos na sala
qual uma estrela
riscando o céu
e a malta gritou
'Aí Benjamim'

Olhei-a nos olhos
sorriu para mim
pedi-lhe um beijo
lá lá lá lá lá
lá lá lá lá lá
E ela disse que sim

Viriato Cruz (Angola)

Imagem daqui

PS:Este post foi feito propositadamente por causa de um comentário do meu "Vizinho" Claudynius:)

PS2: Quem estiver interessado pode ver aqui autores africanos.

Poemas para a Amiga (Fragmento 4)



As vezes em que eu mais te amei
tu o não soubeste
e nunca o saberias.

Sozinho a sós contigo
em mim mesmo eu te criava,
em mim te possuía

De onde vinhas nessas horas
em que inteira eu te envolvia,
nem eu mesmo o sei
e nunca o saberias

Contudo, em paz
eu recebia o carinho,
compungindo o recebia,
tranquilo em meu silêncio
e tão tranquilo e tão sozinho
que calmamente eu consentia:
- que ainda que muito me tardasse
mais ainda, um outro tanto, eu sempre esperaria.

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Paul Bolk

sábado, outubro 28, 2006

Valsinha



Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.

Vinícius de Moraes/Chico Buarque

Imagem retirada daqui

PS:Este poema já aqui foi editado, mas hoje deu-me uma saudade:)

O insecto



Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.

Sou mais pequeno que um insecto.

Percorro estas colinas,
são da cor da aveia,
têm trilhos estreitos
que só eu conheço,
centímetros queimados,
pálidas perspectivas.

Há aqui um monte.
Nunca dele sairei.
Oh que musgo gigante!
E uma cratera, uma rosa
de fogo humedecido!

Pelas tuas pernas desço
tecendo uma espiral
ou adormecendo na viagem
e alcanço os teus joelhos
duma dureza redonda
como os ásperos cumes
dum claro continente.

Para teus pés resvalo
para as oito aberturas
dos teus dedos agudos,
lentos, peninsulares,
e deles para o vazio
do lençol branco
caio, procurando cego
e faminto teu contorno
de vaso escaldante!

Pablo Neruda

Foto:Stanmarek

sexta-feira, outubro 27, 2006

Perfume da Rosa



Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu seio respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto, humilde abelha?
— Ninguém? — Mentiste: essa frente
Em languidez inclinada,
Quem te pôs assim pendente?
Dize, rosa namorada.
E a cor de púrpura viva
Como assim te desmaiou?
E essa palidez lasciva
Nas folhas quem te pintou?
Os espinhos que tão duros
Tinhas na rama lustrosa,
Com que magos esconjuros
Tos desarmaram, ó rosa?
E porquê, na hástia sentida
Tremes tanto ao pôr do Sol?
Porque escutas tão rendida
O canto do rouxinol?
Que eu não ouvi um suspiro
Sussurrar-te na folhagem?
Nas águas desse retiro
Não espreitei a tua imagem?
Não a vi aflita, ansiada...
— Era de prazer ou dor? –
Mentiste, rosa, és amada,
E tu também tu amas, flor.
Mas ai!, se não for um nume
O que em teu seio delira,
Há-de matá-lo o perfume
Que nesse aroma respira.

Almeida Garrett

Foto:Stanmarek

Soneto de Áspera Resignação



Não me digas segredos nessa voz
em que dizes também o que não dizes.
Fica o silêncio ainda mais atroz
depois de entremostradas as raízes.

Prefiro que não digas nada, nada.
Que não sejas arbusto nem canção,
mas sombra entreaberta, recortada
por um lívido e breve coração.

Já que não podes dar-me o que eu sonhara
- inteireza de ramos e raiz -,
ao menos dá-me, intacta, a sombra clara
onde se esbatam vultos e perfis.

Pois nesta solidão melhor é ter
a sombra que um segredo de mulher.

David Mourão-Ferreira

Foto:Elena Vasileva

quinta-feira, outubro 26, 2006

O Amor e o Mar-2



Contemplar o mar é contemplar uma longuíssima censura,
humedecer os olhos com palavras que o tempo não destrua
e dispor-se a suportar o peso amargo dos anos.
Ouvir o mar é ouvir uma antiquíssima linguagem.
A sua espuma é a vertigem, a vã transparência
que enlouquece de amor os amantes.
Deste-me os olhos para ver a transparência
porque o mar é também uma longuíssima carícia.
Soube-o em prolongadas tardes de silêncio e dilacerante abandono,
tardes em que o amor e a solidão não eram apenas duas palavras
mas sim uma vasta paisagem que só admitia a tua presença.

Para chegar a ti tropecei muitas vezes.
Noites inteiras contando um a um os teus cabelos,
beijando com devoção a ponta dos pés, imaginando
o teu rosto no rosto de todas as mulheres, a tua voz
em centenas de bocas e lábios inúteis.
A tua voz é a voz do mar, a voz que me chama de dentro
com o seu abismo e as profundidades
com os seus peixes e as suas ondas e as suas ilhas desertas.
É o teu corpo
o que me chama e me redime do erro.

Para chegar a ti tropecei muitas vezes.
noites inteiras a pronunciar um nome, e era o teu.
Noites inteiras a acariciar um corpo, e era o teu.
Anos e anos a arrancar com paciência as penas de uma ave
para caminhar sem rumo até uma porta
sem saber que tu eras essa porta.
O antigo silêncio que ainda me fala entre as ondas.

Eduardo Chirinos

Foto:Stanmarek

Morreu ao amanhecer



Noite de quatro luas
e uma única árvore,
com uma única sombra
e um único pássaro.

Busco na minha carne as
pegadas de teus lábios.
Beija a nascente o vento
sem o tocar.

Levo o Não que me deste,
sobre a palma da mão,
como um limão de cera
quase branco.

Noite de quatro luas
e uma única árvore.
Na ponta de uma agulha
está meu amor – girando!

Frederico García Lorca

Foto:Zeca - The Knight of the Old Code

quarta-feira, outubro 25, 2006

Poemas para a amiga (Fragmento 3)



É tão natural
que eu te possua
é tão natural que tu me tenhas,
que eu não me compreendo
um tempo houvesse
em que eu não te possuísse
ou possa haver um outro
em que eu não te tomaria.

Venhas como venhas,
é tão natural que a vida
em nossos corpos se conflua,
que eu já não me consinto
que de mim tu te abstenhas
ou que meu corpo te recuse
venhas quando venhas.

E de ser tão natural
que eu me extasie
ao contemplar-te,
e de ser tão natural
que eu te possua,
em mim já não há como extasiar-me
tanto a minha forma
se integrou na forma tua.

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Michael Vahle

terça-feira, outubro 24, 2006

Dá-me o tempo



Deita-te em mim,
Descobre onde estás,
Escuta o silêncio,
Que o meu corpo te traz.
Não me deixes partir,
Não me deixes voar,
Como um pássaro louco
Como a espuma do mar.

Sente a força da noite
Como facas no peito,
Como estrelas caídas
Que te cobrem o leito.
Tenho tantos segredos
Que te quero contar
E uma noite não chega,
Diz que podes ficar.

Dá-me o tempo,
Dá-me a paz,
Viver por ti não é demais.
Dá-me o vento,
Dá-me a voz,
Viver por ti, morrer por nós.

Enfim nós os dois,
Os teus gestos nos meus,
Perdidos no quarto
Sem dizermos adeus.
Adiamos a noite,
Balançamos parados,
Pela última vez
Os nossos corpos colados.

Sente a força que temos
Quando estamos assim,
Um segundo é o mundo
Que nos separa do fim.
Porque tens de partir
Quando há tanto a dizer?
Eu não sei começar,
Não te quero perder.

Refrão

(Eu gosto das formas que tomas,
Como o toque do cristal,
E dos vidros, dos poemas,
Da febre do metal)

Pedro Abrunhosa

Foto:Stanmarek

Era o último amor



Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão.

Era o último amor. Quem adivinha
o sabor pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi Verão?

Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes passadas.

Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia.

Luís Filipe Castro Mendes

Dedico este post a todos os que já amaram alguém e foram pura e simplesmente abandonados, quando mais precisavam do(a) outro(a).
Aos que só pensaram neles e se borrifaram no outro(a), faço isto:



Fotos:Elena Vasileva

segunda-feira, outubro 23, 2006

Folhetim



Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim

E, se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades
Direi meias verdades
Sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que é o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte
Te afasta de mim
Pois já não vales nada
És página virada
Descartada do meu folhetim.

Chico Buarque

Foto:Andriete Paris Marques

poemas para a amiga (Fragmento 1)



Tu sempre foste una
e sempre foste minha,
ainda quando a cor e a forma tua se fundiam
com outra forma e cor que tu não tinhas.

Por isto é que te falo de umas coisas
que não lembras
nem nunca lembrarias
de tais coisas entre mim e ti
ainda quando tu não me sabias
e dividida em outras te mostravas
e assim dispersa me ouvias.

Tu sempre foste uma
ainda quando o corpo teu
com outro corpo a sós se punha,
pois o que me tinhas a dar
a outro nunca o deste
e nunca o doarias.

Por isto é que te sinto
com tanta intimidade
e te possuo com tanta singeleza
desde quando recém vinda
ostentavas nos teus olhos grande espanto
de quem não compreendia
a antiguidade desse amor que em mim fluía.

Affonso Romano de Santa'Anna

Foto:~triss (Dobrochna Babijew), retirado daqui

domingo, outubro 22, 2006

Credo



Creio no Homem todo-poderoso
Inventor da pastilha elástica
Do Prozac, do soutien sem alças
Do colchão de água, do preservativo
Do silicone e do airbag.
Creio na Maria sempre virgem
Hímen reconstruído
Inseminação artificial
Cesariana com epidural
Mãe sem pecado
Virgem e original
Como se nunca fora tocada.
Creio no homem novo
Que nasceu Manel e é Maria
Pénis removido por cirurgia
Sexo novo e funcional
Implante mamário e labial
Tudo no sitio e operacional.
Creio no Homem
Criador de todas as coisas
Das maiores às mais pequenas
Das divinais às obscenas
Porque a todas o homem quer
Hoje e para sempre
Ámen.

Encandescente, daqui do seu Site

Foto:Éric Bottero

Retrato



Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?

Cecília Meireles

Foto:Yuri B

PS:Faz hoje dois anos que nasceu o Webclub. Iniciou-se com este poema, no ano passado comemorei com o mesmo e este ano aqui está ele de novo:)
Antes de criar o Webclub, dediquei-me só a comentar durante 8/9 meses, na altura, os blogs do sapo.
Só à custa de muita insistência de outros bloggers, criei coragem para finalmente ter o meu blog. Muitos deles já desapareceram, outros cortámos relações e alguns continuam.
Eu aqui continuo devagarinho, com altos e baixos. Quero agradecer publicamente a uma amiga, que foi a primeira pessoa a trazer-me para este mundo, onde culturalmente me enriqueci a ler belos poemas e a pesquisar durante horas nestes anos.
Para ela, que se ler sabe quem é, um grande abraço e um beijo enorme.


PS2:A Pandora nos comentários recordou como nasceu a ideia do Webclub:

"Bom dia!
E muitos parabéns pelo aniversário :)

Esqueceste contar como surgiu o nome, quando olhávamos para a porta do WC no restaurante, e toda a gente insistia imenso ctg para passares das tuas gargalhadas nos comentários para a escrita efectiva num blog de tua autoria... foi tão divertido esse jantar! E em muito boa hora insistimos :)

Beijos grandes pra ti, querida Isabel, da tua São. LoveU."

Este jantar foi o primeiro onde fui (de bloggers), realizado pelo ZecaTelhado, agora Zeca da Nau em Setembro de 2004.

sábado, outubro 21, 2006

Búzio



Trouxeram-me um búzio.

Dentro dele canta
um mar de mapa.
Meu coração enche-se de água
com peixinhos
de sombra e prata.

Trouxeram-me um búzio.


Frederico García Lorca

Imagem daqui

Venha Acordar-me



Não me espere, amor,
venha buscar-me
pois que a aurora
em breve
pode se acabar.
A vida é curta
eu estou sozinha
cansada de sonhar.
Não me espere, amor,
venha acordar-me
quero correr na areia
viva e solta
o céu alcançar
em suas mãos
rejuvenescida
por seu olhar.
Não me espere, amor,
venha depressa
viver comigo
as noites
madrugadas e dias
pois que nosso tempo
deve ser vivido
feito de alegrias.

Célia Lamounier de Araújo

Foto:Elena Vasileva

Madrugada de Alfama



Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada,
mas ela, de tão estouvada
nem sabe como se chama.

Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama
e que o sol primeiro inflama
quando acorda à madrugada.
Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoa
ninguém compete com ela,
que do alto da janela
tão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada;
são mastros de luz doirada
os ferros da sua cama.

E a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa,
é como a estátua de proa
que anuncia a caravela,
a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa.

David Mourão-Ferreira

Imagem daqui

quinta-feira, outubro 19, 2006

Cara d´Anjo Mau



Os teus olhos são cor de pólvora, o teu cabelo é o rastilho
O teu modo de andar é uma forma eficaz de atrair sarilho
A tua silhueta é um mistério da criação
E sobretudo tens cara de anjo mau

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Que posso eu fazer ao ver-te acenar a ferida universal?
Que posso eu desejar ao avistar tão delicioso mar?
Que posso eu parecer quando me sinto fora de mim?
Que posso eu tentar senão ir até ao fim?

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Por ti mandava arranjar os dentes e comprava um colchão
Por ti mandava embora o gato por quem eu tenho tanta afeição
Por ti deixava de meter o dedo no meu nariz
Por ti abandonava o meu país

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Jorge Palma

Foto:Maury Perseval

PS:Este post é dedicado à minha amiga N. Somos amigas há 22 anos, começou por ser minha professora no curso, depois foi companheira de noitadas (imaginem numa discoteca e o pessoal a gritar: Ó Prof. lol), partilhámos muitos momentos bons e maus juntas.
Pouco mais há a dizer a não ser que amizades destas ficam para sempre:)

Ninguém me habita



Ninguém me habita. A não ser
o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita. Sozinho
resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.

Thiago de Mello

Foto:Stanmarek

quarta-feira, outubro 18, 2006

Momento Zen I - Poemas Hai...kus

"O haiku é mais do que uma forma de poesia... "
É um instante em que o simples subitamente revela a sua natureza interior.”

Hai… ku. Hai… ku que me dói
Bati em algo? Ter-me-ei sentado mal?
Hai…. ku. Hai… ku ... Será do hemorroidal?

Acordei sem saber que sentia
Uma sensação de desconforto me percorria
Ahhhhh… Que alivio. Eram só gases.

Imagem daqui

"...O Haiku faz-nos olhar de novo o observado, a natureza humana, a vida..."

Vi um homem na rua
Bem vestido. Apessoado.
Coçou os tomates. Olhó malcriado.

Imagem daqui

"... É uma forma de ver o mundo..."

Andavas na rua
Com um ar despassarado
Ou tavas stone ou tavas apaixonado.

"...E cada haiku capta um momento de experiência..."

Não descolavam as bocas
Puxavam, puxavam nada as descolava
Oh Maria! A pastilha colou-se às placas.

(Fim do momento Zen )
Encandescente retirado daqui do seu Site.

Espera



Canções ecoam mansas pelos vales
e sobem as montanhas docemente
e delas adormece o solo quente
e eu sobre ele sonho a cor dos males...

Tudo está em mim à espera que tu fales...
Por essa terra fora, terra quente
só aos ecos respondem docemente
os sons cruéis que eu quero que tu cales!...

A tua voz não vem com a dos ecos...
ao pé de mim só estalam ramos secos...
e de ti nada chega aos meus ouvidos

E em mim vou sempre esperando a tua voz...
Será somente o meu pensar em nós?
Ou tocar-me-á em todos os sentidos?...

Jorge de Sena

Foto:Vladimir Kulichenko

terça-feira, outubro 17, 2006

Ondas



Onde — ondas — mais belos cavalos
Do que estes ondas que vós sois
onde mais bela curva do pescoço
Onde mais longas crinas sacudidas
Que impetuoso arfar no mar imenso
Onde tão ébrio amor em vasta praia


Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:José Marafona

Soneto da Lua



Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas, e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros ?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me pressa
A alma, que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tão pouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética e indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!

Vinícius de Moraes

Foto:Tecum

PS:Hoje dedico este post à Tecum. É a artista poetisa da fotografia:)
Sei que Vinícius não é de todo o teu poeta preferido, mas minha amiga, tive de arranjar algo para a tua belíssima foto e sei que gostas tanto da Lua e do Sol como eu:-)
A nossa amizade é muito sui generis: conhecemo-nos há quase três anos, (eras tu a Adesse, nome pelo qual te trato), nunca nos encontrámos, não nos falamos por telefone, mas praticamente todos os dias, nos correspondemos por mail:)
E assim se construíu uma amizade com provas dadas e que muito agradeço:)

segunda-feira, outubro 16, 2006

Amor



Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua?, esse braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à lingua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.

Eugénio de Andrade

Foto:Stanmarek

Lado esquerdo



O meu lado esquerdo
é mais forte do que o outro
é o lado da intuição
É o lado onde mora o coração
O meu lado esquerdo
Oriente do meu instinto
É o lado que me guia no escuro
É o lado com que eu choro e com que eu sinto
Meu é o meu foi o meu lado esquerdo
Que me levou até ti
Quando eu já pensava
Que não existias para mim no mundo
O meu lado esquerdo não sabe o que é a razão
É ele que me faz sonhar
É ele que tantas vezes diz não
Meu é o meu foi o meu lado esquerdo
Que me levou até ti
Quando eu já pensava
Que não existias para mim no mundo

Canta:Clã

Letra:Carlos Tê

Foto:Gianni Candido

PS:mais um post com dedicatória, desta vez para a Pandora:-)
É engraçado o tipo de Amizade que temos, é raro comentarmo-nos uma à outra, falarmos no messenger, mas quando estamos é como se estivéssemos estado no dia anterior;)
Já sei que ao leres esta letra e ao leres isto vais soltar uma lagrimita, mas é assim que gosto de ti, sensível, doce, a dar a camisa se for preciso.
Como se diz na tua terra: Gosto de ti, porra!:-)

domingo, outubro 15, 2006

Paisagem



Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.

E desejei: "Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!"

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)

David Mourão-Ferreira

Foto:Stanmarek

Quem vê, Senhora, claro e manifesto



Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder de vista só em vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já não me fica mais de resto.

Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso,
E o proveito disso eu só o levo.

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís de Camões

Tela:Lady Astor (Retirado daqui)

PS:Mais um post com dedicatória a uma grande amiga, desta vez a Jacky:)
Só alguém que nem ela, para gostar de Camões:-:)
Mas o que agora vou escrever nem tu sabes Jacky...:A partir de hoje convido-te, ou antes dito (sim porque também sou "ditadora"), que sejas juntamente comigo administradora deste blog.
Postarás quando e se te apetecer: contos, prosas, poemas, haikus, o que quiseres, mas minha amiga, daqui já nao sais:))))

sexta-feira, outubro 13, 2006

One



Is it getting better
Or do you feel the same?
Will it make it easier on you now
You got someone to blame?
You say
One love, one life
When it's one need
In the night
One love
We get to share it
It leaves you, baby
If you don't care for it

Did I disappoint you
Or leave a bad taste in your mouth?
You act like you never had love
And you want me to go without
Well, it's too late
Tonight
To drag your past out
Into the light
We're one
But we're not the same
We get to carry each other
Carry each other
One

Have you come here for forgiveness?
Have you come to raise the dead?
Have you come to play Jesus
To the lepers in your head?
Did I ask too much
More than a lot?
You gave me nothing now
It's all I got
We're one
But we're not the same
We will
We hurt each other
Then we do it again
You say

Love is a temple
Love, a higher law
Love is a temple
Love, the higher law
You ask me to enter
And then you make me crawl
And I can't be holding on
To what you got
When all you got is hurt

One love
One blood
One life you got
To do what you should
One life
With each other
Sisters, brothers

One life
But we're not the same
We get to carry each other
Carry each other
One ... one
Uh, uh, uh, oh
Make, make it, make it
Ahh, ahh, oh
Ahh, ahh
And one
Ahh, ahh ... oh

U2

Imagem daqui

Gozo XII



São tuas as pálpebras
dos meus dias

tal como a laranja do lago
estagnado
é a lua do lago ao meio dia
quando o sol dos ombros está
rasgado

São teus os cilios
que as noites utilizam
é tua a saliva dos meus
braços

é teu o cacto que no ventre
incerto
debruça levar os seus
orgasmos

Não tenho mais que te dizer
das coisas
que tudo o mais te faço eu
deitada

enquanto sentes que o teu corpo
cresce
por dentro do mundo
na minha mão fechada.

Maria Teresa Horta

Foto:Georg Suturin

quinta-feira, outubro 12, 2006

Serenata



Pelas ribeiras do rio
está a noite a molhar-se
e nos peitos de Lolita
só de amor morrem os ramos.

Só de amor morrem os ramos.

A noite canta despida
sobre as pontes que tem Março.
Lolita lava o seu corpo
com água salgada e nardos.

Só de amor morrem os ramos.

A noite de anis e prata
rebrilha pelos telhados,
Prata de arroios e espelhos.
Anis de tuas coxas brancas.

Só de amor morrem os ramos.

Federico García Lorca

Foto:Yuri B

quinta-feira, outubro 05, 2006



Estou só
Completamente só
Falo só
Choro só, rio só
Só a loucura me salva
É a desculpa da minha solidão.

Saio só
Como só
Leio só
Penso só
Fumo só
Guio só para o abismo.

Lembro só
Como fiquei só
De pequena só
Adolescente só
Para sempre só
Até à morte só!

Wind

Foto:René Asmussen

Lucas:))))


Como ontem foi o dia dos animais, faço-lhes uma homenagem através do "meu" Lucas, meu único e verdadeiro amigo há 9 anos. Este ao menos é-me fiel, não exige, recebe tudo o que lhe dou, gosta de mim como sou, partilhamos a mesma casa sem discussões.
É a minha ternura, o meu afecto, leva os meus beijos, brincamos, falamos, enfim, faço com ele o que não faço com pessoas.
Porque ele é meu LEAL AMIGO!

Foto e parlapiet:Wind

quarta-feira, outubro 04, 2006

Aqui na orla da praia



A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega ; não tem verdades a fé.

Fernando Pessoa

Foto:Denis Olivier

terça-feira, outubro 03, 2006

Novembro


A respiração de Novembro verde e fria
Incha os cedros azuis e as trepadeiras
E o vento inquieta com longínquos desastres
A folhagem cerrada das roseiras.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Tela:Aléia das roseiras - Claude Monet

Poesia



Não é compor a preto
no branco do papel,
Palavras estéreis
Liricamente floreadas.
O arco-íris multicolor
da poesia
É a tua vida!
E tu és o autor!
Está nas tuas mãos
a composição
da mais bela
obra-prima de sempre.
Realiza com amor
a poesia da vida.

Cistelo

Foto:Howard Schatz

segunda-feira, outubro 02, 2006

Espera



Espera um pouco mais meu amor
tem um pouco mais de calma
Deixa que sobressaia a nossa alma
deste jogo ousado
de amor e pecado
Não te apresses nesta caminhada
vai a par comigo, serenamente
como quem saboreia um prato caro
Verás que vais achar-lhe no final
algo de sublime e raro
gostoso, caprichoso, sem igual.

Abílio Gomes Dias

Foto:Paul Bolk