sexta-feira, outubro 27, 2006

Soneto de Áspera Resignação



Não me digas segredos nessa voz
em que dizes também o que não dizes.
Fica o silêncio ainda mais atroz
depois de entremostradas as raízes.

Prefiro que não digas nada, nada.
Que não sejas arbusto nem canção,
mas sombra entreaberta, recortada
por um lívido e breve coração.

Já que não podes dar-me o que eu sonhara
- inteireza de ramos e raiz -,
ao menos dá-me, intacta, a sombra clara
onde se esbatam vultos e perfis.

Pois nesta solidão melhor é ter
a sombra que um segredo de mulher.

David Mourão-Ferreira

Foto:Elena Vasileva

7 comentários:

Anónimo disse...

Boa escolha nos poemas, como sempre posts fantásticos.
Beijos sinceros

mfc disse...

Fico sempre com uma enorme dificuldade em comentar Mestre David...
Fico deslumbrado... já deves estar habituada.

Twlwyth disse...

É preferível os lábios cerrados, do que deles ouvir o que não queremos. Gostei da escolha.

hfm disse...

"Já que não podes dar-me o que eu sonhara
- inteireza de ramos e raiz -,
ao menos dá-me, intacta, a sombra clara
onde se esbatam vultos e perfis."

DMF sempre!

Maria Carvalho disse...

Qualquer poema deste Poeta 'enche-me as medidas'!! Este é mais um, maravilhoso. Beijos para ti.

Anónimo disse...

Excelente escolha da tua admirável sensibildade poética.

Beijos

Alien8 disse...

David Mourão-Ferreira igual a si próprio, e muito bem ilustrado por ti.
Um beijo.