sábado, outubro 21, 2006

Madrugada de Alfama



Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada,
mas ela, de tão estouvada
nem sabe como se chama.

Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama
e que o sol primeiro inflama
quando acorda à madrugada.
Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoa
ninguém compete com ela,
que do alto da janela
tão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada;
são mastros de luz doirada
os ferros da sua cama.

E a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa,
é como a estátua de proa
que anuncia a caravela,
a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa.

David Mourão-Ferreira

Imagem daqui

4 comentários:

Elipse disse...

A imagem é de uma beleza esmagadora e o poema não o é menos. Excelente "casamento".

hfm disse...

e vai-se trauteando...

Unknown disse...

Grande David Mourão-Ferreira.
Quanto à foto penso ser, de todos os elevadores de Lisboa, o que melhor vista tem sobre o Tejo o que lhe confere uma tipicidade diferente de todos os outros. Já fiz uma aguarela, mais ou menos com esse enquadramento, que não fotografei e já não tenho em meu poder :(

Um bom Sábado

mfc disse...

A imagem é merecedora de Mestre David...e tu sabes como eu aprecio DMF...!
É único.