terça-feira, janeiro 16, 2007

O quotidiano "não"



Estamos todos bem servidos
de solidão.
De manhã a recolhemos
do saco, em lugar de pão.

Pão é claro que temos
(não sou exageradão)
mas esta imagem do saco
contendo um pequeno «não»

não figura nesta prosa
assim do pé para a mão,
pois o saco utilizado,
que pode ser o do pão,

recebe modestamente
a corriqueira fracção
desse alimento que é
tão distribuído, tão

a domicílio como
o leite ou o pão.
Mas esse leitor aí
(bem real!) já diz que não,

que nunca viu no tal saco
o tal «não».
Ao que o poeta responde,
sem maior desilusão:

- Para dizer a verdade,
eu também não...
Mas estava confiante
na sua imaginação

(ou na minha...) e que sentia
como eu a solidão
e quanto ela é objecto
da carinhosa atenção

de quem hoje nos fornece
o quotidiano «não»,
por todos os meios, desde
a fingida distracção,

até ao entre-parêntesis
de qualquer reclusão...

Alexandre O'Neill

Imagem daqui

5 comentários:

Anónimo disse...

Poema de solidão (tal como o que tenho lá no meu canto). Bem escrito ou não fora ele de O'Neil.

Um beijo

Alien8 disse...

"O'Neill, Alexandre, moreno português..." - sempre bem vindo.

Beijos.

Maria Carvalho disse...

Gosto de O'Neill e há que tempos que nada lia dele! Beijos.

Anónimo disse...

Ele sempre!

Nilson Barcelli disse...

O'Neil é imortal (para já, porque qualquer dia desaparece das nossas referências - mais algumas gerações e talvez tenho o mesmo destino que muitos outros...).
Beijinhos.