quinta-feira, março 29, 2007

Livro das horas



Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga

Foto:Oleg Gedevani

6 comentários:

Pink disse...

Grande Miguel Torga!
Post muito bem conseguido na combinaçãoperfeita de um poema sublime e uma foto em perfeita sintonia!

Já nãopassava por aquio há tempos pois tenho andado meio afastada da net, mas valeu a pena vir até aqui :-))

Beijo pink :-)

Special K disse...

Grande Miguel. Eu também me confesso, sou pecador, e aos olhos da igreja sou dos grandes.
Beijinhos

Maria Carvalho disse...

Excelente este poema de Miguel Torga! Beijos.

PintoRibeiro disse...

Bom dia, bjinho Isabel.

Anónimo disse...

Como diz Miguel Torga no seu Diário II-Coimbra, 16 de Dezembro de 1942 :" Somos da terra, contra o nosso próprio sofrimento! E mal vai ao calcanhar que se não conforma com o barro do caminho que pisa."

Uma boa Quinta-Feira. Bjs.

poetaeusou . . . disse...

***
emergi
de águas passadas
livre
o confesso
*
bj)
***