terça-feira, março 13, 2007

Habitação



Nem saberia dizer onde moro exatamente.
Desconfio que habito dentro de meus dentes.

Doutras vezes era a penugem dos canários,
e era ali, naquelas sedas, penugem e cor,
que eu me mudava para minhas mãos,
senão os gatos, o dorso, viajava neles.

E se um pássaro súbito:
não pelo avisto, pelo ouvido porém;
(o som é que é súbito) — e outra vez me mudava,
era só ouvidos.

Para os meus olhos,
eles se esbarraram – sobre todos os horizontes –
em cima da beleza:
clamassem os dentes,
clamassem as mãos, clamassem as oiças,
a pele também clamasse — qual nada! —
haveria de engolfá-la só com os olhos —
anos a fio moro neles.

Um dia morei sobre o peito de minhas mães,
branca e preta, as mães,
(todas verdadeiras)
na mesma medida, agora, assim,
minha banda-fêmea
te regaça:

desta vez
"mulher",
sou tua "mãe".
Pousa, amor,
te esbalda na cavilha deste peito-pulso
que pulso de pulsar te estremece:
teus dentes, tua-inteira, toda-tua,
tua cara, teus cabelos, tua pele — tudo — e alma;
deixa-te cair neste infinito-agora.

Terminei de sair dos meus dentes, dos meus olhos,
das minhas oiças também saí;
habito agora apenas esta minha mão;
sou apenas esta mão:
nenhuma diferença entre todas as coisas,
um dia quis pegá-las, mordê-las; mão,
o calor de tuas sedas.

E se dormires
recobrirei respeitosamente a tua nudez,
que é só tua —
pausadamente, pousa
o hálito
na cavilha deste peito largo:

dorme, amor,
sossega,

da
tua
nudez — sossega —
que da aurora,
vigilante
eu tomo conta.

Soares Feitosa

Foto:Joris Van Daele

6 comentários:

papagueno disse...

Linda imagem, adoro nús naquela posição. Olha fizeram-me um desafio, se tiveres paciência para responder...

http://bairrodoamor2.blogspot.com/2007/03/desafio.html

beijinho.

Maria Carvalho disse...

Nem sempre percebo o que leio. Este é um dos casos.

poetaeusou . . . disse...

se dormires
recobrirei respeitosamente a tua nudez,
que é só tua —
ji)

António disse...

Querida Isabel!
Fizeste mais uma boa selecção nestes dias últimos.
Este poema é bizarro e estranho (nem conheço o autor) mas também é diferente.
Obrigado pelo teu comentário ao meu "O velório".
Achas que sou rápido a acabar...ah ah ah.

Beijinhos

PintoRibeiro disse...

Olha que de manhã ainda faz frio...bom dia Isabel, bjinho.

achama / Sonia R. disse...

Sempre com grandes escolhas, bjinho Isabel.