quinta-feira, outubro 25, 2007

Pequena elegia de Setembro



Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade

Foto:Adriana K.H.

3 comentários:

Paula Raposo disse...

Quebrar o fio da memória para além da morte. Assim entendo. Um poema muito, muito belo.

Fatyly disse...

Nunca consegui perceber muito bem a mensagem deste poema, a não ser o imaginativo sobre de quem partiu e que que jamais volta. Recordar com saudade quem morreu é algo bem diferente e menos doentio. Não sei...:)
Beijocas

António disse...

Este é um dos consagrados que devia ser um super-consagrado.
Porque não um Nobel para o Eugénio?
Agora que já morreu é muito mais complicado.
Excelente, este poema.

Beijinhos