quarta-feira, outubro 03, 2007

O Abismo



Entre mim e a minha consciência
Há um abismo
Em cujo fundo invisível corre
O barulho de um rio longe de sóis
Cujo som em si é escuro e frio-
sim, sobre a pele do nosso imaginar
A alma, frio e escuro e terrivelmente antigo,
Ele mesmo, não no seu aparentar.

Meu ver substituiu o ouvir
Dessa torrente funda e sem lugar;
Seu ruído mudo sempre a impedir
Meu pensamento do seu poder de sonhar.
Realidade terrível deve pertencer
A esse rio de vago e mudo cantar
Que nenhuma realidade vem dizer,
Mas só do seu ir para nenhum mar.

Mas, ai! Com olhos de sonhado ouvir
Ouço o rio invisível arrastar
Consigo, para onde não pode ir,
Todas as coisas de que é feito o pensar-
O Pensar mesmo, o Mundo e Deus
Nessa impossível torrente a flutuar.

Sim, as ideias de Deus e do Mundo,
Do Mistério e do meu próprio Ser,
Como que lançadas de muro invisível
Com esse rio para o mar a correr,
Mar de não haver e nunca alcançar,
E que são do seu nocturno mover.
Mas, oh, aonde esse sol na praia
Desse oceano impossível de chegar!

Fernando Pessoa

Foto:Zacarias Pereira da Mata

PS:Roubado descaradamente da Gi:)

2 comentários:

António disse...

Querida Isabel!
Andei aqui a procurar um poema para dizer (mal) na Noite de Poesia de Vermoim de sábado próximo.
Até fui ver o que postaste em Outubro de 2004 ainda eu não andava nos blogs.
Mas perante tanta coisa linda resolvi ir dormir e vir cá amanhã.

Beijinhos

Su disse...

amei ler.....amei

bela foto...excelente

jocas maradas