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Na rua, um bêbado cai sempre depressa. Tem uma queda pesada, que é como o corpo deve cair. Já o sem-abrigo também cai depressa, como quem não quer causar embaraço a ninguém. Parece que a física a isso obriga: a importância dos corpos determina o seu peso, logo a rapidez da sua queda.
O rico, por seu lado, cai devagar. Movimento implicado pela maior leveza de conteúdo emocional. Um homem que se dirija para o seu emprego de manhã (num banco, digamos) cai sempre em câmara lenta, por mais pressa que tenha. Vejamos: o pé prende no intervalo das pedras do passeio, a perna flecte e já não volta ao seu lugar, a outra perna não sustém o susto nem o equilíbrio, o corpo entra em perda, a pasta voa com os papéis. Isto passa-se em plena rua: toda a gente vê um homem rico cair.
Já o sem-abrigo cai sem barulho, cai sem imagem. Cai depressa. Com peso, que é o peso do conteúdo. O número de olhos determina a velocidade dessa queda. Quanto mais pessoas olharem para o sem-abrigo, mais devagar ele cai, por necessidade de entretenimento. Mas quantos olhos se pousam no sem-abrigo?
João Carlos Silva visto na Minguante Nº8
Foto:Frank Melchior
4 comentários:
Bem observado.
Para nos fazer pensar!
Mas alguém olha para o sem-abrigo quando cai?
Bjks
Grande reflexão com uma pergunta pertinente e actual!
Beijocas
Para mim, este texto é de uma lucidez espantosa!!
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