segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Acerca de gatos



Contigo chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não lhe tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.

Eugénio de Andrade visto no Palavras D'Ouro

Foto:Neven Jurkovic

3 comentários:

Paula Raposo disse...

Para mim, um poema de dupla leitura. Eu leio-o sem gatos, j� que n�o gosto deles. Beijos.

papagueno disse...

Mais um delicioso poema do Eugénio, este eu não conhecia.
Tal como ele também adoro gatos mas nunca tive nenhum.
Bjks

Lola disse...

Wind,

Um belo poema do E. Andrade.

Tenho gatos desde a infância e eles são tudo o que se diz no poema...

Ainda há pouco estive com um dos meus, o "Pretinho", a brincar, porque ele não me deixava teclar...e puxava o meu cabelo e olhava com ar travesso a pedir atenção...

Agora dorme feliz...

Beijos