quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Não adormeças



Não adormeças: o vento ainda no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas mais húmidas e chãs
com que em casa se cozinhavam perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à mingua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu rosto
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.

Maria do Rosário Pedreira

Foto:Yuri Bonder

2 comentários:

Lola disse...

Wind,

Poema lindo.
Traz-me cheiros e gestos e palavras de vida.

Beijos

Paula Raposo disse...

Bonito...não adormeças sem que eu saiba de ti. Gostei.