quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Projecto



Desta vez vou escrever-te um poema que vai ser
um poema de amor, mas que não é apenas um poema de amor. O
amor, com efeito, é algo que não cabe num poema; pelo contrário,
o poema é que pode caber no amor, sobretudo quando te abraço, e
sinto os teus cabelos na boca, agora que a tua voz me corre pelos
ouvidos como, num dia de verão, a água fresca corre pela
garganta. A isto, em retórica, chama-se uma comparação; e pergunto
o que é que o amor tem a ver com a retórica, ou por que é
que o teu corpo se teme de transformar numa metáfora - rosa,
lírio, taça, qualquer objecto que tenha, na sua essência, um
elemento que me possa levar até ele, como se fosse preciso, para te tocar,
substituir-te por uma outra imagem, ver em ti o que não és,
nem tens de ser, ou ainda transformar-te num lugar comum, que
é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor. Assim,
este poema de amor é, mais do que um poema de amor, um
exercício para escrever um poema de amor - mas um poema de amor
a sério, sem comparações nem metáforas, só contigo, com o
teu corpo, com a tua voz, com os teus cabelos, com aquilo que é
real, e não precisa de sair da realidade para se tornar objecto de
um poema de amor em que o amor, finalmente, deixa de ser
o objecto único do poema, que se preocupa acima de tudo com
a retórica, as imagens, o equilíbrio das formas. Mas, pergunto, não
é o teu corpo uma flor? Não é a tua boca uma rosa? Não são lírios os teus
seios? Tudo, então, se transforma: e o que tenho nas mãos é uma imagem,
a pura metáfora da vida, a abstracta metamorfose das emoções. O
resto, meu amor, é tu - e é por isso que o poema de amor que te
escrevo não é, finalmente, um poema de amor.

Nuno Júdice

Foto:Thomas Doering

5 comentários:

Liz / Falando de tudo! disse...

Pulando de blog em blog, cheguei até o teu, e gostei demais!! Parabéns!
Pode até ser que nossos blogs nao se identifiquem muito, mas a gente pode trocar alguns comentarios de vem em quando, o que você acha?
Um abraço e apareça quando quiser.

Menina Marota disse...

Nuno Júdice...

Não se pode comentar Júdice... lê-se e ama-se a sua poesia.

Grata pela escolha. É um dos meus poetas preferidos e aquele cujas palavras se identificam com a minha alma e o meu sentir. Talvez por isso, os meus blogues tenham tanta poesia sua...

Boa escolha!

Um abraço carinhoso ;)

peciscas disse...

Um poema de amor, que não o sendo, é um belo poema de amor...

Paula Raposo disse...

Nuno Júdice espectacular!!

Lola disse...

Querida Wind

Lindíssimo o Poema.
Venho deixar em beijo e dizer-te que gosto da pessoa que tu és.

Mais beijos