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1
Miguel acabou de ler de manhã o livro que começara também de manhã. Procurou a lista telefónica, na lista o número e no número alguma coragem. Da editora não chegaram sequer a dizer-lhe que não (“Liga para aqui cada doido, valha-nos Deus!” Clique, som contínuo. Som intermitente). Inquirira com delicadeza se aos senhores editores seria possível providenciarem e remeterem-lhe por correio o mesmo volume, mas em branco... Suspirou. Dum livro assim, era-lhe importante conhecer o peso da tinta.
2
Ângelo é um escritor de última geração que recorre a métodos ao mesmo tempo moderníssimos e estranhamente primitivos (ou antes – muitos dirão – espantosamente desadequados). Começa sempre por imprimir a laser uma página perfeitamente negra. Com finas lixas, x-actos e agulhas, procede então à remoção de toda a tinta em excesso. Liberta assim o texto que permanecia, desde o início, aprisionado nas trevas. Um raspão mal medido sobre uma vírgula pode arruinar-lhe horas de trabalho. Escreve pouco, naturalmente.
Carlos Tijolo visto na Minguante Nº8
Imagem daqui
1 comentário:
O desfazer e refazer da palavra. Escreve-se pouco, naturalmente.
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