sexta-feira, maio 25, 2007

Denúncia



Sonharei, no teu seio calmo,
O sonho invisível do cego de nascença.

Dormirei, no teu cerrar de pálpebras,
Como um peixe desliza entre os ramos de árvore
Reflectidos na água.

Dormirei, nas tuas mãos pousadas no meu corpo,
O desejo de te acariciar sem perigo
- não vá tirar-te escamas, borboleta presa.

Dormirei, no teu sexo, a solidão do meu
Ao existir para que eu pense em ti.

Dormirei, na tua vida, a teimosia humana
De um sentido universal para as coisas connosco.

E se, depois, meu amor, formos estéreis,
Se a demora do tempo tiver tido um gesto abandonado,
E a morte, à nossa volta, um moleiro sem trigo,
O mundo que vier inveja-nos
E o nosso espírito há-de perdoar-nos.

Jorge de Sena

Foto:Konrad Gös

4 comentários:

António disse...

Querida Isabel!
Li alguns magníficos poemas que escolheste para este teu canto de grande poesia.
Este, do Jorge de Sena é dos mais bonitos.

Beijinhos

Paula Raposo disse...

Excelente! Adoro Jorge de Sena. Beijos.

Fatyly disse...

Também gostei!**

papagueno disse...

Hmmmmm! Lindíssimo!