quinta-feira, maio 31, 2007

Não quero ser o último a comer-te



Não quero ser o último a comer-te.
Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chegasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Paul Bolk

3 comentários:

Paula Raposo disse...

Excelente!!

papagueno disse...

Hé hé, um dos poemas mais atrevidotes do Carlos. Apesar disso não deixa de ser lindíssimo.
Beijinhos.

mfc disse...

O desejo é anterior ao gozo.
Mas o amor sobrevem-lhe!