segunda-feira, maio 07, 2007
Aparição amorosa
Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.
Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.
Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma idéia platônica no espaço?
O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.
Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.
Carlos Drummond de Andrade
Foto:Alex K
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6 comentários:
Belíssimo!
Bjs
Muito bonito, Wind.
Um beijo para ti.
O amor, o desejo, a ausência... Simplesmente fabuloso.
Beijinho
Lindo! Descanso de camurça...
A ausência de um amor perdido e sem posibilidade de retorno; porque a morte assim o exigiu. Mas a alma dos vivos continua a fazer viver quem não esquece!
Drummond, escreve poemas belissímos! Obrigada pela tuas belas escolhas, rapariga! :)
Bjs!
Wind,
.... fizeste-me sentir saudades de uma pessoa muito especial!
Obrigada!
:)
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