quinta-feira, maio 03, 2007

A bruxa



Nesta cidade do Rio
De dois milhões de habitantes
Estou sozinho no quarto
Estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
Anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
Mas é vida. E sinto a Bruxa
Presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
Desses calados, distantes,
Que lêem verso de Horácio
Mas secretamente influem
Na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
E a essa hora tardia
Como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
Que entrasse nesse minuto,
Recebesse esse carinho
Salvasse do aniquilamento
Um minuto e um carinho loucos
Que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes
Quantas mulheres prováveis
Interrogam-se no espelho
Medindo o tempo perdido
Até que venha a manhã
Trazer leite, jornal, calma.
Porém a essa hora vazia
Como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras

Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
Querendo romper a noite
Não é simplesmente a Bruxa.
É antes a confidência
Exalando-se de um homem.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Ivan Isaev

6 comentários:

Hindy disse...

Passei para deixar um beijinho :o)

papagueno disse...

Rio de Janeiro, AQUELE ABRAÇO!
Lindo poema.
Beijinho

Paula Raposo disse...

Mais uma vez sem palavras. Beijos.

poetaeusou . . . disse...

/
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
/
drummond
/
jino
/

.....e Capricórnia sou eu!!! disse...

Wind,

vim deixar beijoca enorme de excelente fim de semana lindona!

;)

Excelente post....excelente escolha musical!

Fatyly disse...

Desconhecia e está excelente. Boa escolha na foto!

Beijocas