domingo, setembro 23, 2007

Passam os carros



Passam os carros e fazem tremer a casa
A casa em que estou só.
As coisas há muito já foram vividas:
Há no ar espaços extintos
A forma gravada em vazio
Das vozes e dos gestos que outrora aqui estavam.
E as minhas mãos não podem prender nada.

Porém eu olho para a noite
E preciso de cada folha.

Rola, gira no ar a tua vida,
Longe de mim...
Mesmo para sofrer este tormento de não ser
Preciso de estar só.

Antes a solidão de eternas partidas
De planos e perguntas,
De combates com o inextinguível
Peso de mortes e lamentações
Antes a solidão porque é completa.

Creio na nudez da minha vida
Tudo quanto nela acontece é dispensável.
Só tenho o sentimento suspenso de tudo
Com a eternidade a boiar sobre as montanhas.

Jardim, jardim perdido
Os nossos membros cercando a tua ausência...
As folhas dizem uma à outra o teu segredo,
E o meu amor é oculto como o medo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Elena Vasilieva

5 comentários:

Paula Raposo disse...

Magnificamente belo!!

Anónimo disse...

Sim,tenho a certeza que ser sub-delegada vai trazer muitas vantagens ;D
Um beijinho,Wind,ainda bem que gostaste do som!

Grilinha disse...

Passar por aqui é ter a certezade encontrar algo belo e profundo.
Beijinhos

Fatyly disse...

Embora goste muito de Sophia tem poemas que nada me dizem e este é um deles:(

Jinhos sinceros

Special K disse...

Adoro este poema da Sophia, mais uma vez escolheste uma bela imagem.
Beijinhos