sábado, julho 07, 2007

Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Foto:Rouslan Tiourine

6 comentários:

Paula Raposo disse...

Dos poemas mais belos do Eugénio de Andrade! Beijos.

Fatyly disse...

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
(...)
este poema é o retrato fiel de muitas relações.

Boa escolha e toma lá um abração:)

hfm disse...

Ele sempre. Lido, relido e sempre novo.

Anónimo disse...

Poema muito triste, mas magnífico!

Retrato de tantas realidades.

Se quiseres, podes ouvi-lo declamado indo ao endereço seguinte:

http://www.truca.pt/ouro/s_outros/s_eugenio_andrade_adeus.mp3

Um beijinho
Helena

Su disse...

amei reler
jocas maradas de palavras

papagueno disse...

Lindo, é talvez, o meu poema preferido do eugénio.
Beijinhos