segunda-feira, agosto 27, 2007

A saca de orelhas



Sentenças delirantes dum poeta para si próprio em tempo de cabeças pensantes

1

Não te ataques com os atacadores dos outros.

Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção.

0 mesmo deves fazer com os açaimos.

E com os botões.

2

Não te candidates, nem te demitas. Assiste.

Mas não penses que vais rir impunemente a sessão inteira.

Em todo o caso fica o mais perto possível da coxia.

3

Tira as rodas ao peixe congelado,

mas sempre na tua mão.

Depois, faz um berreiro.

Quando tiveres bastante gente à tua volta,

descongela a posta e oferece um bocado a cada um.

4

Não te arrimes tanto à ideia de que haverá sempre

um caixote com serradura à tua espera.

Pode haver. Se houver, melhor...

Esta deve ser a tua filosofia.

5

Tudo tem os seus trâmites, meu filho!

Não faças brincos de cerejas

sem te darem, primeiro, as orelhas.

Era bom que esta fosse, de facto, a tua filosofia.

6

Perguntas-me o que deves fazer com a pedra que

te puseram em cima da cabeça?

Não penses no que fazer com. Cuida no que fazer da.

É provável que te sintas logo muito melhor.

Sai, então, de baixo da pedra.

7

Onde houver obras públicas não deponhas a tua obra.

Poderias atrapalhar os trabalhos.

Os de pedra sobre pedra, entenda-se.

Mas dá sempre um "Bom dia!" ao pessoal do estaleiro.

Uma palavra é, às vezes, a melhor argamassa.

8

Deves praticar os jogos de palavras, mas sempre

com a modéstia do cientista que enxertou em si mesmo

a perna da rã, e que enquanto não coaxa, coxeia.

Oxalá o consigas!

(...)

11

Resume todas estas sentenças delirantes numa única

sentença:

Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa

Alexandre O'Neill

Imagem daqui

5 comentários:

mfc disse...

Era um porreiraço o O'Neill...!

poetaeusou . . . disse...

*
wind
,
de quando em vez
inventa-se uma palavra
,
troca-se uma letra
,
háaaaaaaaa
ainda hoje gosto de fazer
brincos de cerejas ...
,
ji
*

Paula Raposo disse...

Excelente!! Sem palavras...beijos.

Fatyly disse...

A da pdra está excepcional. Não conhecia e obrigado pela partlha.

Beijocas

papagueno disse...

"Um escritor deve poder sempre mostrar a língua portuguesa"
Magnífica esta sentença final do O'Neill.
Beijinho