sexta-feira, junho 06, 2008

Memória



Dividi a minha vida em partes.
Construí muros altos,
Paredes grossas.
Selei hermeticamente portas,
Para me dividir,
Para me separar em partes,
E ser somente,
Lembrar somente,
Aquilo que queria ser.
Mas a força que habita
Os quartos que julgava selados,
Minou paredes,
Construiu túneis,
E invadiu todos os outros,
Que selei para os proteger.
E murmura-me ao ouvido,
E ri do meu esforço inútil,
E relembra-me a cada instante,
Que a memória não se fecha,
Não há forma de a apagar,
Não há onde me esconder.

Encandescente, in"Bestiário", pág.78, Editora Polvo

Foto:Margarida Delgado

4 comentários:

Fatyly disse...

Que a memória não se fecha,
Não há forma de a apagar,
Não há onde me esconder
.................
e não de facto!

À Encandescente que volte com a sua bela escrita e a ti o meu obrigado por a partilhares. Adorei!

Beijos

Paula Raposo disse...

A Encandescente ao seu estilo!!

Ricardo Silva Reis disse...

Lamento só agora ter entrado neste "cantinho" tão poético.
Parabens pelos textos
Vou voltar com toda a certeza

peciscas disse...

Tenho para mim que cada um de nós é formado por uma série de gavetas, onde temos arrumada muita coisa. Ás vezes as gavetas permanecem fechadas.
Ou, então, só abrem aquelas que queremos que se abram.
Mas outras, abrem-se sem nós querermos a espalham o seu conteúdo de forma algo desordenada.
A Encandescente fala um pouco disso.