segunda-feira, novembro 22, 2004

Não sei quantas almas tenho




Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Nota à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:Fui eu?
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa

Foto:Manuel Carlos

2 comentários:

Anónimo disse...

Passo ver as tuas edições e dar-te as boas noites.
Bela selecção poética.
Especial abraço.
Boa noite

lique disse...

Muitas, ele tinha nuitas almas. Por isso também era tão dividido. beijinhos