quarta-feira, dezembro 28, 2005

A arte de ser feliz



Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que
pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um
galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar,
cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Imagem daqui

2 comentários:

Zé Oliveira disse...

...passei agora pelo Pantanero, mas não tive coragem de deixar lá uma impressão de passagem.

...mas precisava de dizer isto a alguém;: "Passei por lá"

Zé Oliveira
(provavelmente já sabes que passei para o Blogger em http://chavedoburaco.blogspot.com

Su disse...

gostei de ler e da musica
ás vezes da minha janela vejo muitas nuvens....mas há outros dias que até vejo o sol...
jocas maradas de coisas lindas para ti