sábado, dezembro 31, 2011
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Já folheias o corpo as folhas mudas
Já folheias o corpo as folhas mudas
com a mão no silêncio me descobres
e me tomaste todos os sentidos
ó insensato ouvido
pois em folha te deito lençol leito
no coração da trégua te desenho
serás amanhecendo uma outra letra
ó demorada boca
já tudo te permites mesmo o espanto
da cor inesperada que tiveram
por um momento as tuas mãos em vidro
irreflectidas
visto melhor verás o prateado
reverso da floresta
e o amor que permites nele inscrito
ó cautelosa gente
António Franco Alexandre
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quarta-feira, dezembro 28, 2011
Meus olhos verdes
Eu sonho acordado
muitas vezes sem dar por isso
olhando o infinito
através dos meus olhos verdes
nem sempre verdes é certo
às vezes azuis
outras cinzentos
variando durante o dia
conforme a intensidade da luz
do sol ou das estrelas
passando a verde se escuto
- o silêncio do mar longo e profundo
e o canto das cigarras
em noite cheia de lua
cinzento é um tempo de ninguém
vindo de fora sem prever
azul o rosto da manhã
de um instante de saudade escrito na memória
verde a força que deposito
no amor e me alimenta o coração
os meus olhos são verdes
azuis ou cinzentos ?
a mim pouco importa
aos outros também
verde é simplesmente
a cor do momento
- um símbolo de esperança
sortilégio de olhar
e ver o mundo
em mais um dia que vivo
e sinto
João-Maria Nabais
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segunda-feira, dezembro 26, 2011
No mar passa
No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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domingo, dezembro 25, 2011
sábado, dezembro 24, 2011
quinta-feira, dezembro 22, 2011
Natal
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
Manuel Alegre
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terça-feira, dezembro 20, 2011
Quando te vi senti um puro tremor de primavera
Quando te vi senti um puro tremor de primavera
e a voluptuosa brancura de um perfume
No meu sangue vogavam levemente
anénomas estrelas barcarolas
O siêncio que te envolvia era um grande disco branco
e o teu rosto solar tinha a bondade de um barco
e a pureza do trigo e de suaves açucenas
Quando descobri o teu seio de luminosa lua
e vi o teu ventre largamente branco
senti que nunca tinha beijado a claridade da terra
nem acariciara jamais uma guitarra redonda
Quando toquei a trémula andorinha do teu sexo
a adolescência do mundo foi um relâmpago no meu corpo
E quando me deitei a teu lado foi como se todo o universo
se tornasse numa voluptuosa arca de veludo
Tão lentamente pura e suavemente sumptuosa
foi a tua entrega que eu renasci inteiro como um anjo do sol
António Ramos Rosa
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domingo, dezembro 18, 2011
Rangia entre nós dois a música da areia
Rangia entre nós dois a música da areia
como se fosse Agosto a dedilhar um sistro
Agora está fechada a casa onde te amei
onde à noite uma vez devagar te despiste
Floresça o clavicórdio em pleno mês de Outubro
Na harpa de Setembro entrelaçou-se a vinha
A que vem de repente entre os dois este muro
feito de solidão de sal de marés vivas
Podia conjurar-te a que não me esquecesses
mas é longe do Mar que os navios são tristes
De que serve o convés com a sombra das redes
Quis a tua nudez. Não quis que te despisses
David Mourão-Ferreira
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sexta-feira, dezembro 16, 2011
quarta-feira, dezembro 14, 2011
segunda-feira, dezembro 12, 2011
Quem foi que riu na noite silenciosa
Quem foi que riu na noite silenciosa,
Que o riso deu à noite a forma duma rosa?
E quem chorou depois na noite densa,
Que a rosa se desfez em lágrima suspensa?
Natália Correia
Foto:Eli
sábado, dezembro 10, 2011
quinta-feira, dezembro 08, 2011
Metamorfoses da casa
Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.
A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.
Como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.
Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.
Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.
Eugénio de Andrade
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terça-feira, dezembro 06, 2011
Saúdo a tua sombra
Saúdas a tua sombra
na tua escadaria da noite
Enches os cântaros matinais
com a água azul das derradeiras estrelas
Preparas assim a coluna vertical do dia
mas tens de entrelaçar os signos do vento
e atravessar as silentes passadeiras da água
em que tens de dizer o que na língua oscila
como um talismã incerto que resvala na garganta
És tão anónimo que não sabes que pedra ou ramos hás-de
oferecer
aos vivos para que não se afundem num pântano
É então que inventas uma constelação em forma de barco
e regressas à rugosa identidade terrestre
António Ramos Rosa
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domingo, dezembro 04, 2011
Sessenta dias
a volúpia
patética
de querer possuir-te
como o Sol
possui a Terra
nas planícies douradas
dos campos de trigo
do teu sexo
é a primavera
sem a profecia medos e retórica
das frias e neutras
madrugadas
essas evolutas envolventes
do pão de cada dia
parido nos cinco dedos
da tua mão
Miguel Barbosa
Imagem retirada do Google
sexta-feira, dezembro 02, 2011
As palavras
Há palavras que são sombras de árvores
ou um bálsamo da terra,
um pressentimento de espuma,
um incêndio do tacto,
uma reverência ao deconhecido.
Amo as palavras que são às vezes sonâmbulos cavalos,
satélites de granito,
raparigas cegas no fundo das casas,
veias de uma estrela submarina.
Como não amá-las pela brisa
se são pétalas de um clamor silencioso
ou anjos sossegados dormindo sobre a terra
ou lúcidas e ébrias, majestosas e puras,
magníficas como um dorso recamado de estrelas,
intacta revelação de invioladas luas?
Desconfio das palavras, mas às vezes são leves, musi-
cais,
aves que planam sobre uma cidade branca,
ilhas mágicas, selados vasos, cordeiros recém-nascidos,
caravanas vermelhas, armadilhas de cristal,
amoroso tremor da matéria terrestre.
Como um boi nocturno das águas eu procuro
essas guitarras plantadas nas plantas
que através de eclipses e de distância
erguem uma árvore de música ou uma pirâmede
ou as lianas vivas que me defendem dos abismos.
Como estátuas de ar as palavras levantam-se
na harmonia delirante do nómada do deserto.
Quer sejam suspiros entre arbustos ou sonâmbulas
melodias
estão sempre à altura dos seus próprios desejos.
Quer o cérebro sangre ou a terra estremeça
o seu cerimonial é inesgotável, as suas relíquias vivas.
São abelhas ou astros que buscam alimento
nos ninhos de amêndoa ou nos espelhos da lua?
Amo as palavras, acredito nos seus cristais secretos,
nos seus cavalos subterrâneos, nos seus densos dia-
mantes.
Escrevo-as com minucioso ardor entre nascentes e som-
bras,
sei que são anjos de argila, antiquíssimos arqueiros
que disparam as flechas de erva sobre estrelas vivas.
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
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