sexta-feira, julho 29, 2011

Quando a palavra é mais do que um corpo de sílabas



Quando a palavra é mais do que um corpo de sílabas
é porque o seu movimento tem o aroma do repouso
no extremo limite do obscuro
e o seu suor é deslumbrante
Nas suas hastes oblíquas cintila o translúcido sangue
ou ascende uma onda branca com a frescura de um naufrágio
Às vezes os dedos estremecem numa ternura de melodia
e o canto quase se evapora na sua líquida ossatura
Quando as sílabas fulguram como as artérias de um muro
abrem-se as janelas do mar e lêem-se os ramos do azul
Se o caminho se cala mas sem esquecer o branco
é porque as ancas nuas da água sob uma abóbada de pássaros
vão de praia em praia modelando as conchas clandestinas
Para a torrente sem leito a palavra estende uma tapeçaria
de musgo
e todo o ritmo da água será uma sequência de portas de
passagens de alianças
Mesmo nos músculos do incêndio pode fermentar o orvalhar
e a profundidade da pedra ocultar uma nascente
Na orla do seu próprio movimento
um gesto germinou sobre um solo calcinado
e desenhou uma rosa de nervuras verdes
nas voluptuosas virilhas de uma pedra vermelha

António Ramos Rosa

Imagem retirada do Google

2 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Excelente escolha.
O poema é fabuloso. Não conhecia.
Isabel, tem um bom fim de semana.
Beijo.

Fatyly disse...

Realmente um poema fabuloso... e tb não conhecia!

Beijocas