sábado, julho 12, 2008

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"...Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é.
trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém
nem jamais lhe puseram rédeas nem sela -
apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo:
come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco.
eu beijo o seu focinho.
quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito.
a menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo salvagem e suave.
aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome.
ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.
se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.
aviso também que não se deve temer seu relinchar:
a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera,
a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

Clarice Lispector

Foto:Cangaroo

4 comentários:

Lola disse...

Wind,

Um cavalo à solta no meu pensamento, suave e louco a cavalgar por aí...

Beijos

Fatyly disse...

Lindissimo e de facto todos temos dentro de nós um cavalo à solta.

Engraçado...como adoro cavalos pretos:)

Beijos

Paula Raposo disse...

Gosto da Clarice. Tenho um livro onde está este texto. Beijos.

papagueno disse...

Lindo, como um cavalo á solta.
Bjks