domingo, abril 06, 2008

Armário



Eu queria, senhora, ser o seu armário
e guardar os seus tesouros como um corsário
Que coisa louca: ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida circunspecta
e pesada nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei (de que madeira eu não sei)
Um sentinela do seu leito com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas para suas argolinhas
Ter um vão para seu camisolão e sentir o seu cheiro, senhora, o dia inteiro
Meus nichos como bichos engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças, e tirariam
nacos dos seus casacos,
E no meu chão,como trufas, as suas pantufas...
Seus echarpes, seus jeans, seus longos e afins
Seus trastes e contrastes.
Aquele vestido com asa e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo. Um pulôver amigo. Bonecas de pano.
Um brinco cigano.Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.Suéteres de lã e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores, os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser por um prêt-à-porter...
Ser o seu segredo,senhora, e o seu medo.
E sufocar com agravantes todos os seus amantes.

Luís Fernando Veríssimo

4 comentários:

Special K disse...

Tinha tantio para dizer sobre armários, mas acho que não...
Beijocas.

Fatyly disse...

Este Verissimo é simplesmente genial:)

Bom domingo**

Paula Raposo disse...

Adorei este poema!!

António disse...

Uma faceta do LFV que desconhecia.
Mas também ele é sempre grande, como já o fora seu pai Erico.

Beijinhos