segunda-feira, abril 07, 2008

Quando perderes o gosto humilde da tristeza



Quando perderes a gosto humilde da tristeza,
Quando nas horas melancólicas do dia,
Não ouvires mais os lábios da sombra
Murmurarem ao teu ouvido
As palavras de voluptuosa beleza
Ou de casta sabedoria;

Quando a tua tristeza não for mais que amargura,
Quando perderes todo estímulo e toda crença,
- A fé no bem e na virtude,
A confiança nos teus amigos e na tua amante,
Quando o próprio dia se te mudar em noite escura
De desconsolação e malquerença;

Quando, na agonia de tudo o que passa
Ante os olhos imóveis do infinito,
Na dor de ver murcharem as rosas,
E como as rosas tudo o que é belo e frágil,
Não sentires em teu ânimo aflito
Crescer a ânsia de vida como uma divina graça:

Quando tiveres inveja, quando o ciúme
Cristar os últimos lírios de tua alma desvirginada;
Quando em teus olhos áridos
Estancarem-se as fontes das suaves lágrimas
Em que se amorteceu o pecaminoso lume
De tua inquieta mocidade:

Então sorri pela última vez, tristemente,
A tudo o que outrora
Amaste. Sorri tristemente...
Sorri mansamente...em um sorriso pálido...pálido
Como o beijo religioso que puseste
Na fronte morta de tua mãe...Sobre a tua fronte morta...

Manuel Bandeira

Foto:szincza szincza

7 comentários:

Paula Raposo disse...

Um poema extremamente triste...beijinhos

papagueno disse...

Triste é favor.
beijocas.

Menina Marota disse...

Um poema tão belo, quanto triste.

Grata pela partilha.

Um abraço carinhoso e boa semana ;)

Mãe Galinha disse...

Lindo...

peciscas disse...

Perante este grito de alma tão doloroso, ficamos sem palavras.

papagueno disse...

Nada mais triste que um coração vazio.
Bjks

Fatyly disse...

Um sentir tão sofrido e perturbador!

Beijocas