terça-feira, agosto 02, 2011

Arqueologia



Aqui, o molde dos que se limitaram a
um contorno do divino – desfaz-se com os
ventos e as marés. Libertou-se da alquimia
efémera das mãos; e comunga o segredo
dos movimentos cíclicos, das mudanças de acaso,
das decisões inscritas num rumo de astro.

Tiro a figura que parecia perdida. Um
olhar breve com o bater de asas da borboleta
na incineração da tarde . . . Procuro o seu dom
de abismo, um fundo negro de poço que me fixa
sem o reflexo da superfície: e encontro o seu vazio
inquieto num silêncio de espelho.

Embora se diga que uma reprodução não terá
nunca o fulgor do original, esta imagem dá-me um
sabor de coisas mortas: a luz nascente, o ouro
de um horizonte marítimo, o fumo húmido da respiração
matinal. Deixo-me estar com elas; e limito-me
a sentir a sua lenta corrupção nas raízes da alma.

Nuno Júdice

Imagem retirada do Google

2 comentários:

Fatyly disse...

todos os sentidos...em sentido e alerta máximo. Imensamente profundo e tocante. Adorei!

Beijocas e um bom dia

Paula Raposo disse...

Belíssimo!! Beijos, Isabel.