quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Não se mate



Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond de Andrade

5 comentários:

Alien8 disse...

Wind,

Simplesmente admirável, este poema.

Um beijo.

Fatyly disse...

Um apelo sentido, profundo, delicado e verdadeiro a todos que se vergam.
Gostei muito!

Beijocas e bom dia

Paula Raposo disse...

Fabuloso! Não conhecia este poema. Beijos.

peciscas disse...

Esta densa intimidade que o Carlos partilha connosco faz dele um dos maiores da língua portuguesa.

mfc disse...

Ele é fantástico.