quarta-feira, setembro 10, 2008

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Código

Não sabia ler, mas nunca o confessara a ninguém. Entrava na mercearia muito altiva e comprava tudo como as outras pessoas. Conhecia os títulos de cor e adivinhava o conteúdo pelas cores. Um dia, mudaram as embalagens. Não sabia que produto comprar, mas não se queixava. Comprava o mesmo que os outros e depois vinha trocar.

Ana Mendes

O desejo

Ela chega outra vez com seus sorrisos, seus fantasmas, as frases desconcertantes, o cabelo preso porque tem algo importante a dizer. Acende um cigarro porque vai parar de fumar e me diz coisas cruéis. Depois me beija e quer conversar, conversar, conversar. Me fala sobre seu dia, sobre a situação mundial e sobre como não liga pra nada disso. Depois caminha descalça no quintal sob a lua cheia e canta algo inesperadamente antigo, me deixando calado diante de seu caos criativo, seus poemas curtos, seus quadros indecifráveis. Ela é um mistério do qual deveria me manter longe, longe, longe, não fosse esta maldita curiosidade.

Avery Veríssimo

Sorri, amor – pediu ela. Já arrependido do pacto de suicídio, ele foi incapaz de satisfazer esse seu último desejo.

Depois de acariciar demoradamente a lamparina mágica, a sensual fada satisfez seus desejos três vezes.

A bofetada deixou-lhe a marca dos dedos na face. Ao pensar em lhe pedir desculpas, desejou sentir novamente aquela mão em sua cara.

Ele viera de outro planeta com uma missão. Mas agora que conhecera o sabor de uma mulher, ser mais um maldito terráqueo era seu único desejo.

Carlos Seabra

Visto na Minguante

2 comentários:

Fatyly disse...

1- Já me apercebi desse flagelo numa grande superficie, e aquele jovem homem-menino escondia que não sabia ler! Lindissimo e tocante.

2- O desejo versus mistério...FANTÁSTICO!

3- Um flagelo terrível onde se permanece na esperança de mudança. Jamais!

Gostei e obrigado por este momento de leitura e reflexão!

BOM DIA **********

Paula Raposo disse...

Três realidades bem descritas e incrivelmente fortes! Beijos.