quinta-feira, novembro 06, 2008

Discurso afetuoso



Ó poetas de gabinete,
Que da vida sabeis apenas a lição dos livros,
Vossa poesia é um jogo de palavras.
Vossa poesia é toda feita de habilidades de estilo,
Sem a marca um pouco suja da experiência vivida.

Não sabeis de nenhuma espécie de sofrimento,
De nenhum dos aspectos sedutores do mal,
Não sabeis de nada que está realmente na vida.

Não vos inquieta o desejo de quebrar a monotonia,
A exasperada fadiga das coisas iguais,
A saborosa audácia do mau gosto.

Tudo em vós é correto, frio, sem surpresas.

Ah, tudo que sabeis é através dos livros.
Não sofreis a curiosidade viciosa das aventuras,
Nem a mágoa dos meses vividos à toa,
Nem o bocejo que a mulher tão desejada provocará um dia.
Não conheceis o remorso das devassidões
E a desvairada esperança que há num amanhecer depois
da noite perdida.

Para vós não existe a vida: existem os temas poéticos.

Ribeiro Couto

Foto retirada do Google

4 comentários:

Fatyly disse...

Um grande poema, porque de facto só somos mais humanos quando nos sujamos nas experiências de vida.

A todos os níveis e pela sua postura, acção e diálogo, nota-se quem nasceu num berço de ouro e quem nasceu num berço de palha.

Não conhecia e gostei imenso.

Beijocas e um bom dia

Paula Raposo disse...

Excelente poema. É isso mesmo. Sem vida não é possível escrever....beijinhos.

Maresia disse...

não conhecia.... gostei!

The Perfect Stranger disse...

ainda tens a mania do site meter?

gostei do poema.
küss ich ;)