quarta-feira, setembro 09, 2009

Confidências



Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! traze tinta encarnada para escrever estas coisas! tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

Almada Negreiros

Imagem retirada do Google

3 comentários:

Paula Raposo disse...

Perfeito. Beijos.

Fatyly disse...

Comovente e sempre real!
Adorei reler!

Beijocas

peciscas disse...

Que coisa tão bonita escreveu o Almada.
Não posso deixar de me emocionar com este texto. Porque, já homem feito, deitava a cabeça no colo da minha mãe e ela passava a mão na minha cabeça. E era mesmo tudo tão verdade!
Que saudades!