quarta-feira, agosto 03, 2005
Vocação de poeta
Recentemente, ao repousar
Sob espessa folhagem
Ouvi bater, tiquetaque,
Suavemente, como um compasso.
Aborrecido, fiz uma careta,
Depois, abandonando-me,
Acabei, como um poeta,
Por imitar o mesmo tiquetaque.
Ouvindo assim, upa,
Saltar as sílabas
Desatei de repente a rir,
Durante um bom quarto de hora,
Tu poeta? Tu poeta?
Estarás assim mal da cabeça?
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Quem espero eu sob este arbusto?
Quem estarei a espreitar como um ladrão?
Uma palavra? Uma imagem?
Logo a minha ruína aparece.
Nada do que rasteja, ou que saltite
Escapa ao impulso dos meus versos,
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
A rima é como flecha,
Que temor, que tremor,
Ao penetrar no coração,
Lagarto a contorcer-se!
Morrereis assim, pobres diabos,
Ou ficareis embriagados,
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Versículos informes que se atropelam,
Pequenas palavras loucas, que efervescência
Até que, linha a linha,
Pendeis todas do meu tiquetaque.
Haverá espantalhos
A quem isso diverte? Os poetas serão impiedosos?
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Troças, Pássaro? Apetece-te rir?
O meu cérebro já tão doente,
Estará o coração ainda pior?
Ah! Receia, teme o meu rancor.
Mesmo no íntimo da cólera,
O poeta rima a direito.
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Frederico Nietzsche
Foto:Sophie Delaporte
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