sexta-feira, agosto 26, 2005

O pião



Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E se via um menino
que tinha um pião já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o
filósofo o perseguia com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as
crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na
brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda girava, ficava feliz, mas
só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora. Na verdade,
acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de
um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso não se
ocupava dos grandes problemas – era algo que lhe parecia antieconômico. Se
a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava
conhecido; sendo assim só se ocupava do pião rodando. E sempre que se
realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que
agora ia conseguir; e se o pião girava, a esperança se transformava em
certeza enquanto corria até perder o fôlego atrás dele. Mas quando depois
retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele se sentia mal e a gritaria
das crianças – que ele até então não havia escutado e agora de repente
penetrava nos seus ouvidos – afugentava-o dali e ele cambaleava como um
pião lançado com um golpe sem jeito da fieira.

Kafka

Imagem daqui

Sem comentários: