sexta-feira, agosto 22, 2008

Cão



Cão passageiro, cão estrito
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão ali, e sempre cão.
Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal de poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moido de pancada
e condoído do dono,
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção,
cão pré fabricado,
cão espelho, cão cinzeiro, cão botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!

Alexandre O'Neill

Foto:Kendra Reeder

5 comentários:

Isabel Filipe disse...

que maravilha de poema ...

não o conhecia e adorei lê-lo.


beijinhos e bom fim de semana para ti

Fatyly disse...

e não é que saiu?

Não conhecia e gostei imenso!

Beijos e um resto de dia bem passado!

António disse...

Sempre gostei do O' Neill, Isabel!

Beijinhos

Paula Raposo disse...

Fantástico Alexandre O'Neill!!!

papagueno disse...

Sempre irreverente este O'Neill.
beijos