sábado, dezembro 31, 2011
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Já folheias o corpo as folhas mudas
Já folheias o corpo as folhas mudas
com a mão no silêncio me descobres
e me tomaste todos os sentidos
ó insensato ouvido
pois em folha te deito lençol leito
no coração da trégua te desenho
serás amanhecendo uma outra letra
ó demorada boca
já tudo te permites mesmo o espanto
da cor inesperada que tiveram
por um momento as tuas mãos em vidro
irreflectidas
visto melhor verás o prateado
reverso da floresta
e o amor que permites nele inscrito
ó cautelosa gente
António Franco Alexandre
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quarta-feira, dezembro 28, 2011
Meus olhos verdes
Eu sonho acordado
muitas vezes sem dar por isso
olhando o infinito
através dos meus olhos verdes
nem sempre verdes é certo
às vezes azuis
outras cinzentos
variando durante o dia
conforme a intensidade da luz
do sol ou das estrelas
passando a verde se escuto
- o silêncio do mar longo e profundo
e o canto das cigarras
em noite cheia de lua
cinzento é um tempo de ninguém
vindo de fora sem prever
azul o rosto da manhã
de um instante de saudade escrito na memória
verde a força que deposito
no amor e me alimenta o coração
os meus olhos são verdes
azuis ou cinzentos ?
a mim pouco importa
aos outros também
verde é simplesmente
a cor do momento
- um símbolo de esperança
sortilégio de olhar
e ver o mundo
em mais um dia que vivo
e sinto
João-Maria Nabais
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segunda-feira, dezembro 26, 2011
No mar passa
No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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domingo, dezembro 25, 2011
sábado, dezembro 24, 2011
quinta-feira, dezembro 22, 2011
Natal
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
Manuel Alegre
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terça-feira, dezembro 20, 2011
Quando te vi senti um puro tremor de primavera
Quando te vi senti um puro tremor de primavera
e a voluptuosa brancura de um perfume
No meu sangue vogavam levemente
anénomas estrelas barcarolas
O siêncio que te envolvia era um grande disco branco
e o teu rosto solar tinha a bondade de um barco
e a pureza do trigo e de suaves açucenas
Quando descobri o teu seio de luminosa lua
e vi o teu ventre largamente branco
senti que nunca tinha beijado a claridade da terra
nem acariciara jamais uma guitarra redonda
Quando toquei a trémula andorinha do teu sexo
a adolescência do mundo foi um relâmpago no meu corpo
E quando me deitei a teu lado foi como se todo o universo
se tornasse numa voluptuosa arca de veludo
Tão lentamente pura e suavemente sumptuosa
foi a tua entrega que eu renasci inteiro como um anjo do sol
António Ramos Rosa
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domingo, dezembro 18, 2011
Rangia entre nós dois a música da areia
Rangia entre nós dois a música da areia
como se fosse Agosto a dedilhar um sistro
Agora está fechada a casa onde te amei
onde à noite uma vez devagar te despiste
Floresça o clavicórdio em pleno mês de Outubro
Na harpa de Setembro entrelaçou-se a vinha
A que vem de repente entre os dois este muro
feito de solidão de sal de marés vivas
Podia conjurar-te a que não me esquecesses
mas é longe do Mar que os navios são tristes
De que serve o convés com a sombra das redes
Quis a tua nudez. Não quis que te despisses
David Mourão-Ferreira
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sexta-feira, dezembro 16, 2011
quarta-feira, dezembro 14, 2011
segunda-feira, dezembro 12, 2011
Quem foi que riu na noite silenciosa
Quem foi que riu na noite silenciosa,
Que o riso deu à noite a forma duma rosa?
E quem chorou depois na noite densa,
Que a rosa se desfez em lágrima suspensa?
Natália Correia
Foto:Eli
sábado, dezembro 10, 2011
quinta-feira, dezembro 08, 2011
Metamorfoses da casa
Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.
A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.
Como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.
Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.
Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.
Eugénio de Andrade
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terça-feira, dezembro 06, 2011
Saúdo a tua sombra
Saúdas a tua sombra
na tua escadaria da noite
Enches os cântaros matinais
com a água azul das derradeiras estrelas
Preparas assim a coluna vertical do dia
mas tens de entrelaçar os signos do vento
e atravessar as silentes passadeiras da água
em que tens de dizer o que na língua oscila
como um talismã incerto que resvala na garganta
És tão anónimo que não sabes que pedra ou ramos hás-de
oferecer
aos vivos para que não se afundem num pântano
É então que inventas uma constelação em forma de barco
e regressas à rugosa identidade terrestre
António Ramos Rosa
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domingo, dezembro 04, 2011
Sessenta dias
a volúpia
patética
de querer possuir-te
como o Sol
possui a Terra
nas planícies douradas
dos campos de trigo
do teu sexo
é a primavera
sem a profecia medos e retórica
das frias e neutras
madrugadas
essas evolutas envolventes
do pão de cada dia
parido nos cinco dedos
da tua mão
Miguel Barbosa
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sexta-feira, dezembro 02, 2011
As palavras
Há palavras que são sombras de árvores
ou um bálsamo da terra,
um pressentimento de espuma,
um incêndio do tacto,
uma reverência ao deconhecido.
Amo as palavras que são às vezes sonâmbulos cavalos,
satélites de granito,
raparigas cegas no fundo das casas,
veias de uma estrela submarina.
Como não amá-las pela brisa
se são pétalas de um clamor silencioso
ou anjos sossegados dormindo sobre a terra
ou lúcidas e ébrias, majestosas e puras,
magníficas como um dorso recamado de estrelas,
intacta revelação de invioladas luas?
Desconfio das palavras, mas às vezes são leves, musi-
cais,
aves que planam sobre uma cidade branca,
ilhas mágicas, selados vasos, cordeiros recém-nascidos,
caravanas vermelhas, armadilhas de cristal,
amoroso tremor da matéria terrestre.
Como um boi nocturno das águas eu procuro
essas guitarras plantadas nas plantas
que através de eclipses e de distância
erguem uma árvore de música ou uma pirâmede
ou as lianas vivas que me defendem dos abismos.
Como estátuas de ar as palavras levantam-se
na harmonia delirante do nómada do deserto.
Quer sejam suspiros entre arbustos ou sonâmbulas
melodias
estão sempre à altura dos seus próprios desejos.
Quer o cérebro sangre ou a terra estremeça
o seu cerimonial é inesgotável, as suas relíquias vivas.
São abelhas ou astros que buscam alimento
nos ninhos de amêndoa ou nos espelhos da lua?
Amo as palavras, acredito nos seus cristais secretos,
nos seus cavalos subterrâneos, nos seus densos dia-
mantes.
Escrevo-as com minucioso ardor entre nascentes e som-
bras,
sei que são anjos de argila, antiquíssimos arqueiros
que disparam as flechas de erva sobre estrelas vivas.
António Ramos Rosa
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quarta-feira, novembro 30, 2011
Namorados de Lisboa
Namorados de Lisboa,
à beira Tejo assentados,
a dormir na Madragoa.
Namorados de Lisboa,
num mirante deslumbrados,
à beira verde acordados.
Namorados de Lisboa,
ao Domingo uma cerveja,
uma pevide salgada,
uma boca que se beija
e que nos sabe a cereja,
a miséria adocicada,
à beira parque plantada.
Namorados de Lisboa,
sempre, sempre apaixonados,
mesmo que a tristeza doa,
namorados de Lisboa.
Namorados de Lisboa,
na cadeira dum cinema,
onde as mãos andam à toa,
à procura de um poema,
namorados de Lisboa,
que o mistério não desvenda
até que o escuro se acenda.
Namorados de Lisboa,
a apretar num vão de escada
o prazer que nos magoa
e depois não sabe a nada.
Namorados de Lisboa,
a morar num vão de escada.
Namorados de Lisboa,
sempre, sempre apaixonados,
mesmo que a tristeza doa,
namorados de Lisboa.
Ary dos Santos
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segunda-feira, novembro 28, 2011
As duas mão da terra
Eu procurei e era vapor ou sonho
e era o mundo, o rumor do estio
com os seus barcos de folhagem entre as pedras
e o sol por sobre os muros, a linguagem
dos gestos quase imóveis no ardor
monótono e sombrio de uma brancura
que vencia o tempo e era o ombro
e o seio da terra entre o verde e a cinza.
Eu procurava e recebia o sopro
de um fogo em labirintos áridos
e a violência reunia-se num flanco
vermelho, companheira
que ardia adormecida e se elevava
sem sobressaltos à nudez do cimo.
Era como se a terra amasse o sonho
e com a mão de fogo e a mão de agua
desenhasse o instante da primeira
alegria divina. Eu recebia
as formas que se abriam e encerravam
em círculos vagarosos de uma matéria pura.
António Ramos Rosa
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sábado, novembro 26, 2011
Tens flores dentro da pele
Tens flores dentro da pele
daquelas que se transformam em pétalas
no teu cabelo feito de vento
num dia quente.
Tens asas dentro dos olhos
com eles vês por detrás do céu
aquele onde te deitas
quando precisas de repousar.
Tens mãos feitas de terra
terra pura que contigo levas
e que deitas inocentemente
no canteiro dos corações.
Tens letras desenhadas nos pulsos
poemas que escreveste com os lábios
de todas as vezes que amaste
sem amar, amando sempre.
Tens a cor verde a pulsar nos ombros
onde carregas, porque és fortaleza feita de areia,
a vida toda que tens para te dar.
Raquel Lacerda
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terça-feira, novembro 22, 2011
Até onde vós estais
Oh, presenças amigas, ó momento
em que alongo o braço e toco em cheio os rostos
A minha língua abriu-se para dizer a face
do vento que percorre as vossas vidas.
Estou perante a noite mais profunda,
a delicada noite das raízes: vejo rostos
vejo os sinais e os suores das vossas vidas.
Atravesso árvores subsmersas, ruas obscuras,
poços de água verde, e vou convosco ter,
minhas faces lívidas, mãe, amigos, amores.
A terra que penetro é este chão de terra
com as raizes feridas, com os ferozes pulsos,
A vertente que desço é uma subida às vossas vidas.
António Ramos Rosa
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domingo, novembro 20, 2011
Take 5
janelas abertas
todas as luzes apagadas
e uma gama de azul rosa
violeta quase cinza
a inscrever
no céu da tarde
ao avesso a madrugada
Márcia Maia
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sexta-feira, novembro 18, 2011
quarta-feira, novembro 16, 2011
Estou vivo e escrevo sol
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeceira
que passa em frios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde
António Ramos Rosa
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segunda-feira, novembro 14, 2011
Esta tarde
Esta tarde chove
sobre todos os meus mortos.
Gosto de pensar
que cada um deles está feliz
por exemplo
no coração de uma rosa.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.38
Foto:Eli
sábado, novembro 12, 2011
quinta-feira, novembro 10, 2011
Navegava no navio da matéria
Navegava no navio da matéria
a melodia da sede cintilava
sob o pólen branco do silêncio
Sobre o veludo unânime das veias
viu as corolas e os cálices dos fósseis
os pássaros de seiva
os diamantes de musgo
a voluptosa água da semelhança viva
O cristal da concha mais secreta
era negro sob a sombra ferida
e verde
e a sua língua era uma chama branca
aberta como um livro
Abeirou-se de uma crespa cabeleira negra
entre sumptuosas luas
viu as sinuosas artérias entre as asas de areia
a oscilação rítmica de um ventre
como uma lisa viola de coral
e bebeu a espessa água da profunda floresta
Na sua sede extrema na sua fragilidade pura
acariciava os veios dos astros vegetais
o flutuante tronco primaveril e arcaico
em que lábios adormecidos se ofereciam
num cálido sopro polvilhado de pólen
Era uma ânfora na duna era um barco fendido
de cintilante mercúrio
era uma ilha de pálpebras
uma mulher de flancos de nascente
e de câmaras de verdura
era a lenta pátria da terra o continente azul
do silêncio do nascimento solar
para adormecer sem espelhos
aos rés do horizonte
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
terça-feira, novembro 08, 2011
Palavras
Há palavras mais audíveis
do que gritos:
-São as lágrimas
convertidas em palavras
murmuradas pelos lábios
dos aflitos.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.39
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domingo, novembro 06, 2011
sexta-feira, novembro 04, 2011
À noite ser (materiais para confeção de um espanador de tristezas)
Dedos quietos que crescem
pele nua
brincadeiras como o amor
pêndulo solto de sonhos
lógicas sacudidas
olhar de só-assim
modos de chegar como sementes
manobras de artesão contra o ego
desafio do «eu»
nudez de pele
de mãos
e (sob os teus olhos)
invenção de um sólido espanador de tristeza.
Ondjaki
Foto:Yuri Bonder
quarta-feira, novembro 02, 2011
Sem título
Canto amor o que dos meus lábios
não sai.
Música? Talvez.
Canto amor:o silêncio precoce
do eco;
a futura saudade de nada.
Triste aventurada manhã
por nascer.
São aqui os meus braços;
a minha volta de mim.
Paula Raposo, in"Insubmissa", pág.21, Chiado Editora
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segunda-feira, outubro 31, 2011
Outono
Largo silêncio amadurece o Outono.
o coração das folhas em letargo.
de alcantilado bosque cai no sono
O parque. Modorra a luz no lago.
E a natureza ali rendida à calma
escuta, toda ouvidos num nenúfar,
rumores da Eternidade que a sua alma
Antiga toca numa cana-de-açucar.
Natália Correia
Imagem retirada do Google
sábado, outubro 29, 2011
Penúltima vivência
Quero só
o silêncio da vela.
O afogar-me
na temperatura
da cera.
Quero só
o silêncio de volta:
infinituar-me
em poros que hajam
num chão de ser cera.
Ondjaki, in"Poesia", pág.48, Editorial Caminho
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quinta-feira, outubro 27, 2011
terça-feira, outubro 25, 2011
Entre dois espaços duas sombras altas
Entre dois espaços duas sombras altas
o sentimento da montanha o vazio
nos passos
talvez o texto da terra e a mão
antes das pálpebras no ar
Caminho não de lábios mas de sombras
sobre a raiz do lápis sobre o pulso
caminho ou não
no círculo
dos passos
e esta é a frase do caminho
ou a lucidez do braço.
António Ramos Rosa
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domingo, outubro 23, 2011
sábado, outubro 22, 2011
Aniversário
"É incrível a força que as coisas têm, quando elas precisam acontecer".
Li esta frase quando tinha 17 anos e nunca a esqueci. Nem me lembro quem é o autor.
Acho-a perfeita para comemorar os 7 anos deste blog.
Este ano vai ser diferente, pois tudo muda.
Vou colocar um texto e uma foto de duas amigas que me acompanham desde o início e vice-versa:
Passos...
A vida é pautada por pequenos passos, por vezes titubeantes, outros mais decididos, outros marcados pelo peso de preocupações, doenças, suportáveis e por vezes tão insuportáveis.
A história de cada um de nós é feita por passos que damos e quem teve a feliz sorte de chegar "mais além", olha para a sua e interroga-se: O que já passei e como foi possível ultrapassar isto e aquilo?
Se fosse hoje não conseguiria.
Mas conseguem porque o mal é esbarrar em vez de saltar ou contornar, na parede desmotivadora que teimosamente que nos querem impor.
Mas conseguem se mudarem o discurso de "que neste país é tudo mau" e mesmo perante uma doença que poderá atingir qualquer um de nós, penso muitas vezes, apesar dos pesares, quem dera que muitos tivessem o nosso Serviço Nacional de Saúde!
Mas conseguem se deixarmos o cinzento e pegarmos numa cor mais alegre e com ela dar brilho ao nosso "eu" e assim também ajudarmos os outros!
Mas conseguem se aprenderem que a vida é pautada por pequenos passos.
Vamos?
Fatyly 21/09/2009
Foto:Eli
Li esta frase quando tinha 17 anos e nunca a esqueci. Nem me lembro quem é o autor.
Acho-a perfeita para comemorar os 7 anos deste blog.
Este ano vai ser diferente, pois tudo muda.
Vou colocar um texto e uma foto de duas amigas que me acompanham desde o início e vice-versa:
Passos...
A vida é pautada por pequenos passos, por vezes titubeantes, outros mais decididos, outros marcados pelo peso de preocupações, doenças, suportáveis e por vezes tão insuportáveis.
A história de cada um de nós é feita por passos que damos e quem teve a feliz sorte de chegar "mais além", olha para a sua e interroga-se: O que já passei e como foi possível ultrapassar isto e aquilo?
Se fosse hoje não conseguiria.
Mas conseguem porque o mal é esbarrar em vez de saltar ou contornar, na parede desmotivadora que teimosamente que nos querem impor.
Mas conseguem se mudarem o discurso de "que neste país é tudo mau" e mesmo perante uma doença que poderá atingir qualquer um de nós, penso muitas vezes, apesar dos pesares, quem dera que muitos tivessem o nosso Serviço Nacional de Saúde!
Mas conseguem se deixarmos o cinzento e pegarmos numa cor mais alegre e com ela dar brilho ao nosso "eu" e assim também ajudarmos os outros!
Mas conseguem se aprenderem que a vida é pautada por pequenos passos.
Vamos?
Fatyly 21/09/2009
Foto:Eli
quinta-feira, outubro 20, 2011
Sei de beijos mais nocturnos do que a terra
Sei de beijos mais nocturnos do que a terra
Animais submersos entre violentas árvores
vêm ao cimo das bocas convulsivos oleosos
Sei da grandeza fulgurante ondulada e eléctrica
das bocas ávidas e do sangue que vem do fundo
como um incêndio que floresce em lábios espumosos
Sei de uma estranha suavidade e de um pensativo ardor
que modula o beijo numa demora fascinada
Quem poderia dizer a glória fluida e ardentíssima
destes líquidos músculos que desembocam em estuários de espuma?
Sei de beijos como abelhas de sol e como uma agonia
de uma longa glória Conheço as matérias salgadas
e agridoces a argila a seiva o vinho
e o grés das axilas a lua negra do púbis
Conheço o sabor aceso e espesso do intacto
que imediato se entrega na violência silenciosa.
António Ramos Rosa
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terça-feira, outubro 18, 2011
A água tanto pode ser uma guitarra de indolência
A água tanto pode ser uma guitarra de indolência
Como a agonia violenta de espumantes leões
Mas ela é sempre um ritmo fragrante um odor profundo
da penumbra insurrecta de uma garganta de pólen
Perante o mar a identidade desmorona-se e renova-se
Como se as grandes massas do universo irrompessem
da violência de um segredo de uma pátria insustentável
E quando se ergue como um tumultuoso túmulo
dir-se-ia que se arranca do centro ou que o expulsa
em ímpetos de uma violenta frescura primitiva
E é a sua agonia abundante no esplendor de um brocado
que nos bafeja a fronte e nos limpa o olhar
Mas à luz do poente a água é uma plácida
E melancólica cisterna no seu azul de planeta
e sempre a materna abundância do seu seio
nos reconcilia e retempera como se o seu corpo
fosse a fábula verde que regenera o mundo
António Ramos Rosa
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domingo, outubro 16, 2011
Madrigalete
Que alvor anuncia
no escuro
a hora mais fria
antes d'alvorada?
-É a branca alegria
no muro
da flor da geada.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.55
Foto:Eli
sábado, outubro 15, 2011
sexta-feira, outubro 14, 2011
quarta-feira, outubro 12, 2011
Dizes
Pedes um cigarro
para acalmar a febre
que lavra nos dedos
dizes "meu amor
tomara que a vida
arda mais depressa"
fogem-te das mãos
pássaros de fogo
que rumam às estrelas.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.51
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segunda-feira, outubro 10, 2011
Glosa à chegada do Outono
O corpo não espera. Não. Por nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sede, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera: este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo...
Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.
Jorge de Sena
Imagem retirada do Google
sábado, outubro 08, 2011
Advertência
Dizem-me distante da terra
e, qual judeu errante,
não pude criar raízes
(leia-se amigos
confrontos
países).
Que não vos espante
me sejam tão fáceis
os adeus.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág. 10
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quinta-feira, outubro 06, 2011
Subitamente
Subitamente
em pleno acto de amor
pediu-lhe um rosto
a mais crepuscular
prova de vida.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.35
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quarta-feira, outubro 05, 2011
Habilidades
Façam click e tenham uns bons momentos de descontração. As habilidades são impressionantes!
http://www.youtube.com/watch_popup?v=Vo0Cazxj_yc&vq=medium
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
http://www.youtube.com/watch_popup?v=Vo0Cazxj_yc&vq=medium
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
segunda-feira, outubro 03, 2011
A lucidez do amante que adormece...
A lucidez do amante que adormece
sobre o seio da amada é a respiração da palavra
que movendo-se se deita sobre o seu ténue leito
que é uma nuvem que avança e no ar se dissipa
Mas o seio da palavra é o seu horizonte
que está para além de uma montanha branca
de silêncio e vagarosa luz
e quando se abre é plumagem de uma ave
que não tem corpo e é o que não há
num cintilar de nulo sortilégio
em que a lucidez encontra o seio e o horizonte
que vibram com a côncava harmonia
de não serem mais que a ténue integridade
de uma matéria que se tornou ritmo e puro espaço
António Ramos Rosa
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sábado, outubro 01, 2011
Sem luz
Os dedos doridos
dançam na minhas mãos
ao som da música
que ainda sabemos entoar.
Mesmo doridos (os dedos) e as tuas mãos
em mim, são palavras de amor,
de esperança
e - talvez - de um fogo de nós.
Não me deixes sem luz.
Paula Raposo, in"Insubmissa", pág.27
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quinta-feira, setembro 29, 2011
terça-feira, setembro 27, 2011
A janela
A janela deve estar aberta
mesmo que a chama trema no pavio
e que os risos andem à solta
pelo quarto.
Mesmo que os vivos tenham frio
a janela deve estar aberta.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.36
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domingo, setembro 25, 2011
Arte poética
Andara muito, noutro tempo, por Lisboa
até que as ruas de repente se inclinaram
e ficaram viscosas e caladas.
Reparou que nas noites de verão
as esquinas cheiram intensamente a mijo.
Por isso foi ficando pela casa
que se encheu devagar de copos sujos
e de cuecas e meias pelos cantos.
Debruça-se agora muito mais
sobre o que escreve.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.48
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sexta-feira, setembro 23, 2011
Reparei
Na incandescência
do sol forte do meio-dia
reparei que a casa estava vazia
e as paredes reflectiam a tua ausência.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.29
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quarta-feira, setembro 21, 2011
Por um instante
Na sala de espera, mulheres. A maioria acima dos quarenta. Cuidando de suas vidas. Sós. Exceto duas, sentadas ao lado dos maridos. Dois casais. Um, urbano, classe média, elegante. Outro, do interior, roupas simples, faces marcadas de sol e rugas. E por um instante, só por um instante, aquele em que, quase simultaneamente, as duas entraram na sala de exames, de mãos dadas com os companheiros, a solidão descompassou os corações das outras mulheres, sentadas sós, na sala de espera.
Márcia Maia
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segunda-feira, setembro 19, 2011
Como se faz o poema
Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.
Nuno Júdice
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sábado, setembro 17, 2011
Espuma
Que me marque
uma vaga branca de espuma
e o mar deixe o verde
odor da maresia.
Que me lembres
os passos na areia
e as conchas me ensinem
o que não sei.
Desejo navegar
e perder-me em cada porto
que não encontro.
Paula Raposo, in"Insubmissa", pág.42
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quinta-feira, setembro 15, 2011
Cair do pano
As acácias já se incendiaram de vermelho
e o zumbido das cigarras enxameia obsidiante
a manhã de Dezembro. A terra exala,
em haustos longos, o aguaceiro da madrugada.
Ao longe, no extremo distante da caixa
de areia, o monhé das cobras enrola
a esteira e leva o cesto à cabeça,
cumprido o papel exacto que lhe coube
e executou com paciente sageza hindu.
Dura um instante no trémulo contraluz
do lume a que se acolhe, antes da sombra
derradeira. Assim, os comparsas convocados
para esta comédia a abandonam, verso
a verso, consignando-a ao olvido
e à erva daninha que, persistente, a cobrirá
irremediavelmente. O encenador faz
a vénia da praxe e, porque aplausos
lhe não são devidos, esgueira-se pelo
anonimato da esquerda alta. É Dezembro
a encurtar o tempo, o pouco que nos sobra.
Rui Knopfli
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terça-feira, setembro 13, 2011
Pardal
A morte de um pardal
é certamente
uma pequena morte.
-E vai para o céu?
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.13
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segunda-feira, setembro 12, 2011
sábado, setembro 10, 2011
Livre circulação
Andou livremente na cidade
até que a morte lhe pôs a sua máscara.
Guiado pelo néon azul-pálido
e pelas camas de cartão dos sem-abrigo
estragou a alma em condensados de tabaco
e as mangas com gordura e vinho tinto.
Foi seduzido pelas putas e faquistas
que partilham silenciosos as esquinas
e mais-que-bêbedo tropeçou na Lua-cheia
"hei-de marcar-te a face um dia destes..."
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág. 25
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quinta-feira, setembro 08, 2011
Velório
"Morreu como um passarinho"
-insistia a boa mulher
à saída do velório.
"Quando era novo, eu adorava passarinhos"
-repliquei em tom menor
por respeito à circunstância.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.12
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quarta-feira, setembro 07, 2011
SuperHeavy - Miracle Worker
Juntam-se uns famosos, faz-se um reggae e há sucesso.
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
segunda-feira, setembro 05, 2011
Nos bicos da cereja
Em cada segundo de vida
plantei a semente da ilusão
nos bicos de cereja
das colinas dos teus seios
à espera de um dia colher a flor.
Miguel Barbosa
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sábado, setembro 03, 2011
Espelho meu
As andorinhas não se vêem ao espelho
não creio que percam tempo a mirar-se
num tanque de rega,
no fundo de um poço,
na vidraça daquele prédio...
Tal e qual não se miram as garças no liso do lodo,
e não me consta que façam isso os elefantes.
Talvez a gata que criaste...
Ensinada,
requebra denguices na sua imagem -
cuida que é o gato que não lhe dás em casa...
Que se veja ao espelho,
que pretenda assim (re)conhecer-se,
mirar até o traseiro em jogos de reflexos,
só mesmo o bicho homem!
Só a gente para gostar de ver o pelo que tem na venta...
Maria de Fátima
Tela:John William Waterhouse
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