quarta-feira, maio 19, 2010

Os sapos



Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!"

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!"

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quando é vário,
Canta no martelo."

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!"

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No porão profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

Manuel Bandeira

Imagem retirada do Google

4 comentários:

Fatyly disse...

Desconhecia e gostei imenso e até dá para ser lido a cantarolar:)

Vou aproveitar duas das quadras para contar e cantar com as netas:)

Beijocas e um BOM DIA

Paula Raposo disse...

Gostei imenso da foto que escolheste para este poema! Beijinhos.

polittikus disse...

Gostei. deves ter-te inspirado no Presidente da Republica que esta semana por causa do casamento gay engoliu uns sapitos...

Alien8 disse...

Bandeira e Gedeão, entre outros poetas grandes, sempre bem ilustrados pelo teu gosto. Gostei muito, como sempre que aqui venho, Wind.

Um beijo.