terça-feira, maio 11, 2010

Eu, descontraída, a fazer a barba



Eu nunca fui a S. Francisco.
Sonhei porém que um geiser
explodia numa girândola rósea-de-todas-as-cores
ao fundo de uma ladeira de S. Francisco.
Freud teria alguma palavra a dizer sobre este carnudo
assunto, mas disso sei eu mais do que ele.
Primeiro foi o som, um Buuuuuum!!! de explosão,
estava eu nessa altura muito descontraída
a fazer a barba.
Corremos os dois para a porta da barbearia.
Os carros andavam de saltos altos
em cima das lombas
trepando ofegantes
por aquela rua de barrigas empinadas.
Alguns automóveis iam gritando
como sirenes da Polícia
e outros iam pulando para a valeta
e resfolegavam uns contra os outros
ao fugirem do geiser de todas as cores,
jorrante num fundo de rua
de thriller rodado por noites betuminosas
na cidade americana de S. Francisco.
Estava eu espantada a ver tudo aquilo
no meu sonho de alto de ladeira,
à porta da barbearia onde fora
aparar barba e bigode.
Toalha branca ao pescoço,
num ambiente de vapores termais,
fitava o geiser furta-cores
a despedir luz em rajadas para cima
como bomba de lívidos neutrões.
O barbeiro, de navalha na mão, com a bata de nuvem
em carneirinhos e cúmulo-nimbos aconchegantes,
gemia: Ai! Ai!......................
Os olhos de cor melada, inodoros, derretidos em lágrimas
de chocolate cremoso.
Senti tanta atracção por ele que o abracei e disse:
Meu, para nos salvarmos,
temos de sair daqui numa rapidinha!
E ele respondeu, o gesto verde-esmeralda:
Nem tiro a bata, tenho ali o carro, vamos embora numa branca!
O calor de estufa subia pela ladeira
como salamandra aquática,
Triturus marmoratus, verbi gratia.
Sem intervalo entre vapor e suor,
uma espécie de concha a chupar entre pernas,
sufocávamos no sonho de cor morna e demasiadas palavras
gostosentas entesonadas dos vapores termais.
E assim fomos de carro ao contrário da direcção do geiser,
ele de mão na cabeça das mudanças,
a roçar para cá e para lá,
eu de toalha ao pescoço e ele de bata branca,
a navalha deixada no peitoril da janela da barbearia
para fazer ela as barbas sozinha
quando o geiser rebentasse dentro do útero da noite
a tensão partida enfim num ronronar ruivo de gato.

Maria Estela Guedes

Imagem retirada do Google

3 comentários:

Fatyly disse...

Não conhecia, li e reli e achei-o compacto demais e sinceramente não gostei. Desculpa:)

Beijocas e um bom dia

Paula Raposo disse...

Concordo com a Fatyly.
Beijos.

polittikus disse...

Um bocadinho "entrelaçado", este texto...