domingo, fevereiro 28, 2010

Imitação da água



De flanco sobre o lençol,
paisagem já tão marinha,
a uma onda adeitada,
na praia, te parecias

Uma onda que parava
ou melhor: que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.

Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.

Uma onda que parava
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto de sua crista

e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa),
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.

Uma onda que guardasse
na praia cama, finita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,

e em sua imobilidade,
que precária se adivinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas

mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.

João Cabral de Melo Neto

Imagem retirada do Google

2 comentários:

Fatyly disse...

Não conhecia e é tão sonante. Gostei particularmente desta quadra:

Uma onda que guardasse
na praia cama, finita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,

Obrigado pela partilha e um bom domingo!

Beijocas

Politikus disse...

Não conhecia este poema. Gostei...
Infelizmente, está actual.