domingo, maio 18, 2008
Catando os cacos do caos
Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
- como se fosse flor.
Catar os restos e ossos
da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.
Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
- do dia cão.
Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.
Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.
Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.
Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
- como era antes.
Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.
É um quebra-cabeça? Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção
Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fim
Não é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.
Affonso Romano de Sant'Anna
Foto:Rakesh Syal
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7 comentários:
Por vezes é necessário catar os cacos e recomeçar...
Um beijo querida.
Fantástico!! De cacos se escreve um poema inspiradísismo...
Wind,
Encontrar um caminho no caos é tarefa para uma vida.
Beijinhos
Apanhar os cacos e voltar a começar, é assim a vida.
Bjks
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.
..........
fiquei deveras encantada com a simplicidade deste poema cuja mensagem deverá ser a nossa luta diária.
Encheu-me as medidas e de alma a sorrir envio-te um abração feito de cacos:)
Um bom poema de um um tipo que não conheço.
Beijinhos
Lindo poema,Bjs
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