sexta-feira, junho 18, 2010
Calendário Maia
Caio para fora do sono. Com um estrondo nos ouvidos corro
até à janela. Abro-a de par em par. Lá adiante, o oceano.
Escuro, ainda. As gaivotas penduradas na hibernação dos
paquetes. Respiro a maresia. Os meus pulmões são dois búzios
murmurantes; os olhos, velas pandas em frente aos portões
das sentinelas hirtas. Recomposto, bebo o café, sem leite.
Sempre detestei leite. Talvez porque tenha mamado em
demasia nos grandes peitos de minha mãe. Mastigo a torrada
habitual. Aprecio a cor do mel, escorrendo, endiabrado, pela
luz que cai da janela. Abro o jornal. Lembro-me que é inverno
no calendário maia. O fim do mundo está para breve, diz-me
o jornal, segundo o calendário maia. Xiquiripat já anda pelo
mundo, segundo o calendário maia. Ah! o fim do mundo está
para breve e eu aqui sentado muito calmamente a beber o meu
café sem leite e a comer uma torrada habitual e a raciocinar
sobre as monstruosas mamas da minha mãe. Não! Não quero
acabar assim. Tenho de fazer alguma coisa. Reinventar talvez
um novo calendário, um calendário onde o fim do mundo não
esteja para breve, mas antes esteja quase a renascer. Há que
entrar em acção. Pôr a cabeça a trabalhar, a hélice da imaginação.
Entrar pelo dia adentro até que o ovo de Colombo se abra
como um sol, como uma estrela, um ventrículo incandescente,
um sacramento, um tanque onde possa lavar as mãos, uma palavra
que eternize o momento, nem que seja por um só momento,
este momento em que nada sei, mas em que pelo menos saberei
que, ainda que hoje o mundo acabe, nunca acreditei nos
fantasmas do calendário maia.
Luís Costa
Imagem retirada do Google
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1 comentário:
Magnífico e se acertassem no futuro não teriam ocorrido holocaustros, guerras e viviamos todos em paz.
Gostei imenso!
Beijos e um bom serão
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