quarta-feira, junho 30, 2010
Gajo porreiro
Não me convinha, se morresse agora.
– Quem é que havia de levar o carro
para transportar para casa as nossas compras?
A dor chorada é sempre precisada,
nós não choramos só por nossa conta,
mas é por nossa conta que choramos.
– Quem é que havia de levar o carro
para transportar para casa as nossas compras?
Não me convinha, se morresse agora.
Faz sempre falta quem não faz mais nada
das frágeis miudezas e chatices,
pequenas nicas úteis dispensáveis
que ao dia-a-dia dão sustentação.
Faz sempre falta alguém assim em casa
que pouco faz mas sempre vai fazendo,
como num Quadro o seu caixilho à volta,
tão supletivo, secundário, inútil,
que o Quadro faz mais vista se o tiver.
As casas, nos seus móveis, corredores,
nos seus lugares à mesa, ajustamentos,
arrumações, cuidados, diligências
que até numa toalha são sinal
de bem dobrada para não dar trabalho,
trazem indícios do morrer de alguém
que de manhã ligava o esquentador,
nunca esquecia as chaves , e à noitinha
baixava as persianas das janelas.
Alguém assim faz falta quando morre,
porque não pode já deixar recados,
não vai de companhia fazer compras,
não vai levar nem já buscar amigos …
… e agora! que fazer àquele carro?
… quem vai agora já escolher os vinhos?
… quem é que tem mais ditos para as visitas?
… e o IRS, as contas, pagamentos?
… quem vai à Caixa levantar dinheiro?
– tudo tão simples, de ansiedade e fluido,
mulher e filhos também são tarefas
de ir ao vidrão e lá deitar garrafas…
… fazer rascunhos e escrever à máquina
… deitar lá fora o lixo, ir aos Correios.
Alguém do nada, só morrer faz falta.
A dor chorada é sempre precisada.
Ninguém faz nada, é sempre alguma coisa,
porque ao morrer, essencial canseira,
figura que já foi destes cuidados
persiste como um quadro de Pintura
ali deixado sem o seu caixilho.
Uma existência vale mais que as artes,
mesmo que o Quadro fique sem caixilho.
Para o mesmo Quadro façam mais molduras,
interessa mais o Quadro que o caixilho…
… mas não se esqueçam de levar o carro,
e é já para o ano, ao posto de Inspecção.
Alguém será capaz de o conduzir.
Carlos Garcia de Castro
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terça-feira, junho 29, 2010
Parque da cidade, uma vez mais sentado na tarde do dia
Os primeiros grandes dias de junho
prolongam a luminosidade solar
até ao horizonte indefinido
fortemente tingido de azul-anil
as cores e os pequenos instantes de contraluz
desenham a copa das árvores e as casas
onde habita o silêncio das sombras
escondidos os segredos das crianças
na penumbra da cal
pelo parque da cidade
pares de namorados
e mulheres sós passeiam cúmplices
duma multidão de animais de estimação
sem quebrar a maciez impressionista do canto da cotovia
o efeito doppler ressoa no grito obstinado de uma ambulância
a transportar novos vírus da civilização
sem o lume do verso
cai o último clarão no pano do dia
em breve a tarde sossega
se pressente o vazio da luz
João Nabais
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segunda-feira, junho 28, 2010
A magnólia
A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.
Luísa Neto Jorge
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domingo, junho 27, 2010
sábado, junho 26, 2010
O encontro
O encontro com o meu começo
Inicia-se na posição fetal
antes de o escuro cair em goma
e a mão fechar o ovo.
Ana Maria Costa
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sexta-feira, junho 25, 2010
Um solo de trompete
madrugada quase amanhecer bar pouco recomendado um tanto kitsch cachorro de porcelana no balcão sofá de brocado grená gasto e manco peixe empalhado boca aberta sobre a porta do banheiro quadro de são jorge iemanjá de louça barata como vim parar aqui por que sempre perco-me aqui é no que dá sair sem rumo noite adentro com amigos nem tão amigos assim ou noite afora uísque barato batom borrado gosto de sal grosso amargo na boca e esta coisa no peito apertando aqui terminamos sempre sós e sem rumo todas as noites perderam o prumo tanto tempo faz salva-se a música blues sopro trompete só o blues caberia nestas noites azul-escuras obscuras por que retorno por que finjo não doer e rio e bebo fumar não fumo um baseado às vezes com joão joão toca violoncelo perdeu-se na solidão das noites como eu ah essa dor esse cheiro esse incômodo esse tão imenso cansaço e volto sempre sei porque volto finjo não saber não querer mas enquanto houver este solo de trompete volto pelo beijo apaixonado do trompetista ao final da noite de cada noite tão certo neste bar como o cachorro de porcelana e o sofá grená
Márcia Maia daqui
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quinta-feira, junho 24, 2010
Carta para Josefa, minha avó
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira - sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietnan é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa; já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (contaste-mo tu ou terei sonhado que mo contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos - e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti - e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são como as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila necessidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»
É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua.
José Saramago, 14 de março de 1968, no jornal lisboeta “A Capital”.(Esta crónica foi-me dada a conhecer pela Eli).
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quarta-feira, junho 23, 2010
Chove...
Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
José Gomes Ferreira
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terça-feira, junho 22, 2010
Ecos
I
lágrima
eco
do choro.
II
O abismo cai
nas minhas mãos
e o seu eco aos meus pés
Ana Maria Costa
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segunda-feira, junho 21, 2010
Provérbios homeostéticos tropicais
O homem é uma besta
que aprende a ser mundo depressa
Debaixo das cortinas a sogra do guru
manobra com a colher de pau o futuro
A raiva não tem nenhum olho do cu
O gengibre que comeu o macaco
foi parar à boca do leão
É melhor saber nadar
do que saber estacionar
Só aos olhos dos discípulos
os santos não voam de avião
De que serve vender uma vaca
quando ela está barata?
A rã dá o mote,
o elefante o problema.
Os cavalos relincham e os elefantes bramem
no sono do ladrão do hindustão
Coelho que mate cão
tem mais dentes que um leão
No umbigo da dançarina adivinha-se o que está em baixo
e esquece-se o véu de cima
Entre a generosidade e o desperdício
há muita hipocrisia e algum vício
Quando uma muralha se ajoelha a um camelo
até as montanhas mastigam caramelo
Um rio que lava num povo
não é um povo que lava no rio
Os que dão o que não têm
é porque têm o que não dão
Um furo na terra pode muito bem
ser um princípio de uma boa guerra
Deus castiga os pobres mas dá dinheiro aos ricos
para comprar penicos
È necessário ir pelo atalho errado
sempre que a direcção seja a do Fado
Quando os deuses deixarem de ser tagarelas
usaremos os tachos e as panelas
O verdadeiro badalhoco parte a cabeça
mas não parte o coco
As sombras gostam de adular os sombreros
Osso que engole cachorro torna-se osso mais grosso
Se quiseres fixar o apocalipse
usa no mínimo um clips
Quando não ladra o cão ladra o ladrão
Homem que se vira para Meca
é aquele que oferece pente a careca
Sabedoria sem faro até o pó torna caro
Cultive um pouco o mal antes de o julgarem genial
Para cada pensamento um poço
para o refrescar ou afogar.
Mesmo que laves os pés no Ganges
não tornarás as sandálias sagradas
O «melhor silêncio» já não funciona nem como penso
É mais interessante ser desonesto
do que ser pastor protestante
A rã coaxa porque teme transformar-se num mestre Zen
O iluminado é o que sabe melhor fingir a condição do desamparo.
A chuva que cai no artista é mais maldita do que a que cai no crítico.
Nunca somos reconhecidos pelas marcas que deixamos.
O que têm um pé na estrada e outro no carro não anda depressa.
Quem dá ouvidos a um mentiroso conhece a embriaguez do desconhecido.
O fumo é mais credível do que a sabedoria.
Cuidado com os silenciosos: acabam sempre por morder nos ociosos.
É mais prático ser um lambe-botas do que um bravo índio morto.
O cobarde que já morreu muitas vezes está pronto para morrer muito mais.
Quando uma raposa anda com o cio, resguarde-se o coelho do frio.
Quem come o outro: o lobo ou o bobo?
Quem tem a eloquência de uma cascavel é capaz de reconstruir Babel.
Um sonho que ladra é um mundo que não morde.
A lua tem vergonha do coiote.
Os donos de gatos têm mais pulgas que ratos.
Ninguém é bom juiz de ninguém, quanto mais de si.
Diz-me que o que não quero ouvir e até de mim me esquecerei.
Na floresta até o animal mais estúpido sabe mais que o biólogo catedrático.
Na jaula todos os leopardos são gatos.
Quem aprende a amar a morte odeia o próximo.
Não faças ovos escalfados hoje
com as omeletes de amanhã.
O Erro é mais omnipotente do que Deus.
Somos estrangeiros sobretudo para parentes com mais dinheiro.
Não julgue o seu vizinho
até ele lhe roube seus moccasins.
Se fizer uma pergunta com o coração
é provável que tenha uma resposta tripeira.
Sabedoria do grito é mais profunda que a do conceito.
A arte é o que transforma o imprevisto no premeditado.
Nariz que estrangule índio ter grande sucesso na televisão.
É a humilhação que desrespeita os homens e os deuses.
Um abutre aprende a voar até com o Futre.
Quem ama um índio verdadeiro
não ama um escoteiro.
O coração pode ensinar muita coisa,
mas nunca astrofísica.
Se queres ser melhor do que os outros
não os leves na mesma embarcação.
O desordeiro tem as temíveis qualidades
que podem fazer dele um chefe.
Se queres tornar o mundo grande
torna as coisas mais pequenas.
O corvo não é uma animal de decoração
para fabricar uns versos de ocasião.
O cobarde, quando atira de olhos fechados,
tem os olhos mais abertos do que o mais valente guerreiro.
O artista deve no mínimo fazer a sua própria arte.
Até a planta mais pura tem qualquer coisa de bastardo.
A guerra é a nossa mãe
e por isso vamos para a guerra.
Quando o homem se afasta da mãe terra
é para arranjar dividas em Camberra.
Mãos moles,
coração duende.
O arco-íris não serve para construir pontes.
Um homem que tem demasiados chefes
é como uma puta com muitos chulos.
Quem acredita na tranquilidade da velhice
é porque nunca entrou num lar.
Uma pessoa sem história
é como uma história sem pessoas.
O bico do tucano traz a musa no ventre.
Quem faz bifes de bisontes
curte peyotle e horizontes.
A elasticidade do vazio
é boa para saltar à corda.
Bravo inimigo forte dançar paz com fox-trot.
Grande espírito ajudar relva a crescer mais depressa.
A fraqueza do inimigo é a consolação do estratego idiota.
Um rato pequeno
não dá um grande bife.
Chá não alimentar grande tribo.
Quando nos falta deus sempre temos a pastilha elástica.
Então Deus disse: «A minha relação com a Criação está numa fase difícil.»
É mais fácil mudar de continente do que de feitio.
O homem foi feito de barro mas passa a vida a andar de carro.
A cor da pele é como os pelos nas costas.
Um índio prefere confiar na onça do que num branco.
Os povos satisfazem-se com os seus líderes como os porcos com a lama.
Pedro Proença
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domingo, junho 20, 2010
Como interagir com um elefante marinho
Uma das razões porque adoro animais:)
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
sábado, junho 19, 2010
Vivam, apenas
Vivam, apenas.
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento
naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
Que dão flores e frutos
Sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
A transformar os espinhos
Em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
Que só são belos
Quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A morte é para os mortos.
José Gomes Ferreira
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sexta-feira, junho 18, 2010
Calendário Maia
Caio para fora do sono. Com um estrondo nos ouvidos corro
até à janela. Abro-a de par em par. Lá adiante, o oceano.
Escuro, ainda. As gaivotas penduradas na hibernação dos
paquetes. Respiro a maresia. Os meus pulmões são dois búzios
murmurantes; os olhos, velas pandas em frente aos portões
das sentinelas hirtas. Recomposto, bebo o café, sem leite.
Sempre detestei leite. Talvez porque tenha mamado em
demasia nos grandes peitos de minha mãe. Mastigo a torrada
habitual. Aprecio a cor do mel, escorrendo, endiabrado, pela
luz que cai da janela. Abro o jornal. Lembro-me que é inverno
no calendário maia. O fim do mundo está para breve, diz-me
o jornal, segundo o calendário maia. Xiquiripat já anda pelo
mundo, segundo o calendário maia. Ah! o fim do mundo está
para breve e eu aqui sentado muito calmamente a beber o meu
café sem leite e a comer uma torrada habitual e a raciocinar
sobre as monstruosas mamas da minha mãe. Não! Não quero
acabar assim. Tenho de fazer alguma coisa. Reinventar talvez
um novo calendário, um calendário onde o fim do mundo não
esteja para breve, mas antes esteja quase a renascer. Há que
entrar em acção. Pôr a cabeça a trabalhar, a hélice da imaginação.
Entrar pelo dia adentro até que o ovo de Colombo se abra
como um sol, como uma estrela, um ventrículo incandescente,
um sacramento, um tanque onde possa lavar as mãos, uma palavra
que eternize o momento, nem que seja por um só momento,
este momento em que nada sei, mas em que pelo menos saberei
que, ainda que hoje o mundo acabe, nunca acreditei nos
fantasmas do calendário maia.
Luís Costa
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quinta-feira, junho 17, 2010
As palavras nuas do interior reboliço
As palavras nuas do interior reboliço
saem dos lóbulos e do sexo
e é no sexo que se detonam as flores
e nos lábios que as pétalas desabrocham
nocturno
lua dorme
a noite cega
estrela é cão!
Palavras aos gomos
num prato branco, acabam um corpo.
Ana Maria Costa
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quarta-feira, junho 16, 2010
Jantar
Ao jantar, tive uma ninfa
para a sobremesa. Tirei-lhe o vestido
e fiquei com a polpa
nas mãos. Separei os gomos
dos seus seios, descasquei
a sua pele, soltei-lhe dos cabelos
os caroços, e vi o fruto abrir-se
num colar de róseas pérolas. Fiz
com que o seu sumo me escorresse
pelas mãos, e bebi-o na taça
dos seus lábios. Ao jantar,
com uma ninfa nua
no prato da sobremesa,
esperei pelo café; e enquanto
não chegava, esvaziei o prato,
e fiquei com fome.
Nuno Júdice
Imagem retirada do Google
terça-feira, junho 15, 2010
Mar
O mar sem fissuras
um mar sem vincos, estrias
um mar-amplidão
sem marcas, em movimento
mar a que tudo vai
mar adiante, mar amor
cemitério de tudo, que tudo
suga: mar em que deposito
dúvidas, dádivas, devaneios
mar mar mar em ondas
petrificadas, em versos mar
ginais = vaginas = ostras
ostra(cismo) do mar
mar-útero, mártir(io)
m a r
adentro
adentr
adent
aden
ade
ad
(m) a (r)
quando ao mar tudo vier
o mar será isso tudo
= mar sem margens
mar
António Miranda
Foto:Spivak
segunda-feira, junho 14, 2010
Sei-vos distantes...
I
Sei-vos distantes e não é dos metros que o mar tem
É da medida da memória que tão curta é, que pequena se torna para algumas lembranças.
Memória que nos atraiçoa que nos cega com letras em brasa em vez de flores.
As caminhadas são iguais como as estações do ano!
Voltam com início meio e fim e voltam, outra vez, sempre!
É a distância que o meio tem do principio ao fim que não encontro nestas memórias.
II
Sinto a garganta que me arde e não é de súplica de paixão ou de fado.
É o abismo de ecos que se esmurram nas paredes do gargalo do esófago .
Todas querem sair ao mesmo tempo evitando o filtro e a língua.
Desencadeando faíscas, queimam!
Tenho o corpo fraco de tanto vos carregar de vos ir buscar nessa distância.
Distância.
Que me leva às palavras e as palavras à leitura e a leitura à combustão na garganta.
III
Devo adormecer os dedos ou comê-los mas eles passariam
nas cordas vocais, tocando-as e nova combustão acontecia….
Nada mais fica que fogo na garganta e o meio na distância.
Ana Maria Costa
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domingo, junho 13, 2010
sábado, junho 12, 2010
Nova canção do exílio
Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos.
Ferreira Gullar
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sexta-feira, junho 11, 2010
Shakira-Waka Waka (Hollywood Flash Mob)
Que ganhe o melhor:)
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
quinta-feira, junho 10, 2010
Tenho andado no Universo
Tenho andado no universo,
onde não há sol ou noite...
A erva cresce nas lembranças
as palavras nascem sem cor.
Só tenho flores
que habitam nos meus olhos,
guardadas nas palavras que me oferecem.
Ana Maria Costa
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quarta-feira, junho 09, 2010
Contra-dicções
O feio e o belo
o justo e o injusto
a certeza e a dúvida
são faces
de uma mesma moeda
se te amo me odeias
egoísta, mira-se no espelho
e o que reflete
não é o que se mostra
se me perguntas
não respondo
mas sabes a resposta
se me humilho
cresço em teu apreço
meamoteme
— disse aos 17 anos
e repito agora!
teu lado belo
que é o mais feio,
com a certeza
da dúvida.
António Miranda
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terça-feira, junho 08, 2010
Algumas vezes o mundo fica
I
Algumas vezes o mundo fica
muito pesado para ficar
nos meus braços.
II
Disparates
Sei que as moscas não voam no escuro
Por isso, quando as vejo fecho os olhos.
Não gosto que as moscas me toquem!
III
Incapacidades
As palavras nem sempre
dizem tudo
mesmo sendo abertas ao meio.
IV
(In)Certezas
O céu fica azul
quando Deus
abre mais os olhos.
V
Crescimento
Dantes o céu era maior
porque não haviam
as almas de hoje.
VI
Falta de espaço.
Dizem que o céu vai acabar
porque as almas
já tocam no rosto do chão.
VII
A incoerência social
liberta os meus heterónimos
para os desertos da consciência social.
VIII
Mulher mandona
Ele nunca sabe se sou eu
a falar com ele…
ou um batalhão de pedras.
Ana Maria Costa
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segunda-feira, junho 07, 2010
Alegre sacrifício
(...)
estranho bulício
o das crianças que brincam
-incitam as vagas que avançam como alcateias-
e oferecem, em alegre sacrifício,
os seus castelos erguidos nas areias
ao caprichoso mar,
às súbitas sereias...
(...)
Manuel Filipe in"Medusa", pág.29, Edição do Autor
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domingo, junho 06, 2010
Emoção
O instante sai entre as palavras
encolhendo os dias nas minhas mãos
Pergunto!
Devo formar exército de lágrimas
ou estar na inocência?
Não!
Pejar o lugar com lágrimas
e suster a voz entre as palavras.
Ana Maria Costa
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sábado, junho 05, 2010
sexta-feira, junho 04, 2010
Negra
A negra para tudo
a negra para todos
a negra para capinar plantar
regar
colher carregar empilhar no paiol
ensacar
lavar passar remendar costurar cozinhar
rachar lenha
limpar a bunda dos nhozinhos
trepar.
A negra para tudo
nada que não seja tudo tudo tudo
até o minuto de
(único trabalho para seu proveito exclusivo)
morrer.
Carlos Drummond de Andrade
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quinta-feira, junho 03, 2010
Para mim
I
Para mim,
o céu é mais pequeno
do que para a formiga.
II
Quando as palavras
já não conseguem magoar mais,
vem o silêncio ferrar-nos .
III
Fui buscar uma árvore
para a minha beira
desenhei o teu nome
na sua ramagem.
IV
Nos dias em que escolho chorar
escondo as horas nos livros,
os passos nas prateleiras
as janelas no rosto
depois contemplo o líquido escorrer feliz.
V
A vida dá a oportunidade de a descobrirmos
pouco o fazemos…
e nesses poucos morremos.
Ana Maria Costa
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quarta-feira, junho 02, 2010
Língua Mater dolorosa
Tu que foste do Lácio a flor do pinho
dos trovadores a leda a bem-talhada
de oito séculos a cal o pão e o vinho
de Luís Vaz a chama joalhada
tu o casulo o vaso o ventre o ninho
e que sôbolos rios pendurada
foste a harpa lunar do peregrino
tu que depois de ti não há mais nada,
eis-te bobo da corja coribântica:
a canalha apedreja-te a semântica
e os teus verbos feridos vão de maca.
Já na glote és cascalho és malho és míngua,
de brisa barco e bronze foste a língua;
língua serás ainda... mas de vaca.
Natália Correia
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terça-feira, junho 01, 2010
Pensamentos do momento
I
Sons da natureza
O murmúrio
do rio pincha
nas pedras.
II
Incolor
No orvalho
a cor alarga-se
na água.
Ana Maria Costa
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