sábado, novembro 06, 2004
Poema
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas
Essas e o que falta nelas eternamente;
Tudo isto faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
Foto:Nuno Belo
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2 comentários:
Maravilhoso poema este de Álvaro de Campos, Wind!!! Como tantas outras coisas, também o cansaço pode ser indizível, e o direito a ele, indiscutível...
Adorei! Beijinho e bom domingo, fica bem...:))
Ai, este Álvaro de Campos que já foi o meu heterónimo preferido! Quando também me parecia que esta posição perante a inutilidade da vida e dos sentimentos era a minha! Continuo a adorar lê-lo e a ter momentos de afinidade com o que ele escreve, mas concluí que a vida é demasiado curta para nos cansarmos dela assim. Mas há nas suas palavras sempre algo que nos toca e nos leva a interrogarmo-nos sobre tantos porquês. Beijinho, amiga e tiveste mais uma impecável escolha.
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