quarta-feira, janeiro 06, 2010

Solidão



Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto

Foto retirada do Google

3 comentários:

Paula Raposo disse...

Gosto das palavras simples. É muito belo este poema.
Beijos.

Politikus disse...

Adorei o poema. Mas, sabes adorava Mia Couto, até que conhecia a pessoa, e apanhei a maior desilusão da minha vida... é a personificação da arrogância e da vaidade.

Fatyly disse...

A saudade de terras distantes e de facto gosto imenso da poesia de Mia Couto, mas sempre que o vejo na televisão, parece-me o referido por "polottikus".
Mas sendo ou não sendo...só sinto que é um magnífico poeta!

Beijos garota e uma boa noite

(a foto é magnífica)